Tricky ressurge em disco colaborativo e ainda impressiona
Theis Thaws – Fifteen Days
25′, 9 faixas
(False Idols)
Dizer que algum trabalho de Tricky é “leve” significa usar de uma enorme liberdade poética ou incorrer num erro total de análise. No caso deste novíssimo “Fifteen Days”, não há outra escolha: é um álbum, pelo menos, mais leve em relação a tudo o que ele fez até agora em sua carreira. Talvez seja pela presença do produtor francês Mike Theis numa coparticipação intensa, a ponto de assinarem o trabalho juntos como Theis Thaws, talvez seja pelo momento atual da vida de Tricky, vá saber. O fato é que, à primeira vista, as canções de “Fifteen” mantém o tom soturno habitual na produção trickyana, com um pouco mais de fluidez nas batidas eletrônicas, mas, uma olhada mais atenta irá revelar toda a variedade de tons em cinza, negro e penumbra, que revestem a música dele se movendo logo abaixo da superfície. Independente de qualquer detalhe estético, o que sai das caixinhas de som é um conjunto de nove faixas excelentes, que exercitam uma versão descomplicada da eletrônica que emergiu da cena trip-hop de Bristol. A ver.
Tricky esteve ocupado nos últimos anos. Lançou um disco dilacerante em 2020, chamado “Fall To Pieces”, no qual tentava exorcizar a imensa tristeza pelo suicídio da filha, Mazy, no ano anterior. Se o luto era quase insuportável, o álbum deu o foco que Tricky precisava para reencontrar o melhor de sua forma. No ano seguinte, plena pandemia, ele produziu um álbum colaborativo, chamado “Lonely Guest”, no qual criou paisagens sonoras para participações de gente como Lee “Scratch” Perry, Paul Smith, Joe Talbot, entre outros. Em 2022, lá estava ele envolvido com o que viria a ser “Maxinquaye Reincarnated”, uma releitura parcial de seu emblemático álbum de 1995, que envolveu remasterização em Abbey Road e várias reimaginações. Pouco mais de um ano depois, lançou um disco de inéditas com a cantora polonesa Marta Zlakowska, descoberta por ele para preencher o vazio deixado por uma de suas vocalistas em cima da hora de uma apresentação. A força e a beleza do trabalho da moça motivaram sua contratação imediata pelo selo do artista, False Idols. Agora, mantendo a tradição de lançamentos/colaborações anuais, Tricky volta com “Fifteen Days”.
Temos então, a dupla Theis Thaws. E temos este “Fifteen Days”, cujo título indica o tempo que Mike Theis e Tricky levaram para gravar as nove faixas que compõem o álbum, apontado pelo release como um trabalho de “eletrônica glacial”. Além dos dois, há a presença de jovens cantores do selo False Idols, Rosa Rocca-Serra, Run Red Rambo e Lucy La Dusk e o resultado é quase um disco dançante. Ou melhor, “dançante”, com aspas, visto que não há concessões a ritmos mais rápidos ou ebulições superproduzidas, pelo contrário, é um trabalho a médio tom, grave. Mas o aspecto que se comunica com a dança está, digamos, subentendido e bem longe do convencional na maior parte do tempo. Canções como a faixa de abertura, “Frozen Rivers”, navegam no mesmo mar de escuridão existencial que 99% da obra de Tricky, mas é nas batidas, no timbre mínimo de uma guitarra que acompanha o andamento, que podemos achar uma pequena nesga de um globo prateado sobre uma pista de dança nos subterrâneos do mundo.
Com “Where Are You Lately” vemos uma atualização da dinâmica mais tradicional de Tricky, mas com uma fluidez acima da média, com mais objetividade. Em “Ladybugs” há a já habitual contraposição a uma voz feminina, desta vez, a cargo da artista trans Lucy La Dusk, que povoa os espaços com uma sensação indistinta de desolação, mas um refrão com efeitos de vocoder, surgindo do imponderável, novamente tempera a escuridão inicial com nesgas de luz. Tem o adorável interlúdio drum’n’bass em rotação lenta que é “Monday” e a grande, imensa, maravilhosa criação do álbum, “Fly To Ceiling”, chega lá no final, trazendo grande entrosamento entre Tricky e Rosa Rocca-Serra, mas, se vocês me permitem um conselho, ouçam a versão “extended remix” feita pelo sensacional David Holmes, que eleva a duração da faixa para quase oito minutos de uma levada assumidamente oitentista e dançante.
“Fifteen Days” é ótimo. Vai agradar aos velhos admiradores de Tricky mas tem potencial para conquistar novos e novíssimos fãs. É um discaço. Ouça logo.
Ouça primeiro: “Frozen Rivers”, “Where Are You Lately”, “Ladybugs”, “Monday”, “Fly To Ceiling”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.