Três jovens forças do Soul
Quando a gente fala de Soul Music, fala de veteranos fazendo boa música, tentando recuperar o tempo perdido ou, finalmente, tendo uma chance. Ou falamos de outros veteranos ainda em atividade, levando adiante um legado construído através do tempo. É raro falar de gente jovem fazendo algo relevante no estilo, mas, de uns tempos pra cá, este jogo virou. Uma nova-novíssima geração de artistas vem ganhando força e corpo, lançando discos, singles e constituindo um grupo bem heterogêneo de abordagens da música negra americana de talhe clássico, criada a partir da secularização das letras de melodias entoadas em cânticos sagrados nas primeiras décadas do século passado. Melodias estas que, mesmo secularizadas, representavam uma visão generosa e elevada do mundo, algo bem próximo da espiritualidade, daí o nome “soul”. Mas tais artistas não se restringem a esta área, gostando de ciscar nos terrenos vizinhos do funk e do pop clássico, da década de 1960/70. São eles: Yola, Leon Bridges e Durand Jones And The Indications, todos lançando disco por agora.
É bom que se diga: os três são bem diferentes entre si, mas todos habitam esta área. Junto com Joel Culpepper, de quem a gente falou muito bem há pouco tempo, e Curtis Harding, são uma espécie de quinteto fantástico da black music mais acessível atualmente. Vejamos Durand Jones And The Indications, pra começar. Direto dos porões da Universidade de Indiana, o grupo se formou há poucos anos e está lançando seu terceiro disco, “Private Space”. Se os trabalhos anteriores pareciam, de fato, ainda em busca de uma definição sonora mais nítida, agora, no novo álbum, o grupo parece ter achado seu espaço. É um funk-soul moderno, ainda que venha calcado nas tradições estéticas dos anos 1970, especialmente em bandas e artistas do Philly Soul. Há muita fluência nos arranjos, muito uso de cordas, tudo muito bem pensado, sem falar na ótima voz de Durand, que tem um belo falsete, como é tradição do estilo. Algumas canções são realmente belas, caso da faixa-título e da abertura “Love Will Work It Out”. Mas nem só de baladas vive o álbum, pelo contrário. Basta ouvir o single “Wichoo”, que faz até uma árvore sair dançando, ou “The Way That I Do”. Tudo funciona, no disco, é uma lindeza refrescante.
Leon Bridges surgiu em 2015 a bordo do álbum “Coming Home”. Oriundo do Texas, o rapaz parecia mais um desses artistas voltados para a reprodução meticulosa do soul do início dos anos 1960, algo que é legal, mas que, a meu ver, perde em criatividade. Felizmente, Leon veio bem diferente no segundo disco, “Good Thing”, incorporando timbres mais modernos e ingressando numa trilha que lembrava bastante artistas noventistas como Maxwell e D’Angelo. Após participar de um EP ao lado do grupo psicodélico Khruangbin no ano passado (“Texas Sun”), Bridges ressurge com o ótimo “Gold-Diggers Sound”, que, logo de cara, traz uma canção com a participação de Robert Glasper, um dos grandes pianistas do jazz atual. O resto do álbum vai depurando esta sua nova fase de olhar com mais gentileza para fontes contemporâneas de inspiração. Canções como “Steam” e “Motorbike” são bons exemplos de espécimes dançantes da lavra de Leon, mas o negócio dele, pelo menos neste terceiro álbum, é adentrar o campo das baladas e “melõs”. Tem “Sweeter”, que lembra algo que poderia ser dos anos 1980, enquanto “Why Don’t You Touch Me” já é totalmente século 21, sobrando espaço para excentricidades bem vindas, caso do arranjo surpreendente de “Blue Mesas”, cheio de cordas e timbres que deságuam numa melodia minimalista que serve passarela para a voz de Leon passear, meio saturada de efeitos.
Por fimm, temos a jovem inglesa Yolanda Quartey, mais conhecida coo Yola. A bordo de seu segundo – e impressionante – álbum, “Stand For Myself”, ela confirma a belezura que se insinuou em sua estreia, “Walk Through Fire”, de 2019. Em ambos os discos, a pilotagem ficou por conta de Dan Auerbach, que teve espaço e condição para brincar de pop-soul clássico sessentista. Com arranjos ricos e cheios de cordas, metais e fraseados que lembram o melhor das produções da Stax, da Volt e da Motown, sem falar em pitadas de Wall Of Sound e Philly Soul ali, Auerbach se diverte e dá chance para Yola tangenciar Tina Turner ou Roberta Flack, com muita desenvoltura. As canções – dela – são ótimas, cheias de belezuras, dentre as quais, certamente, a voz é a maior. Um timbre forte, mas melodioso, sensível/cru, que funciona em diversas situações. Pode ser na baladaça de abertura, “Barely Alive”, feita nos céus, ou na mais clássica e radiofônica “Dancing Away In Tears”, que lembra algo que Diana Ross poderia ter feito no início dos anos 1970, tudo dá certo. E, de vez em quando, tudo dá tão certo que a gente até fica com lágrimas nos olhos, caso de “Starlight”, uma canção que faria algum vencedor da Mega Sena acumulada verter umas lágrimas de tristeza e emoção.
Estes três álbuns indicados aqui são novos, frescos e cheios de disposição para revalidar o Soul e o Funk como forças criativas e sintonizadas com o nosso tempo. Se não for em arranjo, as canções têm letras totalmente inseridas no nosso contexto tristonho de desafios deste 2021. Todos são ótimas opções para você conhecer essa turma jovem que está surgindo e periga se tornar muito famosa nos próximos anos, se tudo der certo. Conheça, passe adiante, converse e compartilhe essas boas canções, destes ótimos discos.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.