Um táxi para a vacina

 

 

Hoje, 02 de agosto de 2021, tomei minha segunda dose de vacina contra a covid-19. Cumpri rigorosamente o espaço entre as doses, mantive o isolamento social severo, segui comprando a maioria das coisas da casa pela Internet. Gastei bastante álcool em gel, usei máscaras N-95 quando precisei sair e me cuidei. Sei bem que não fui a única pessoa a fazer isso, mas também sei que teve um número enorme de pessoas que nem deram bola pra esses procedimentos. A gente sabe, né?

 

Mas quis a ironia da vida, a ironia das pequenas grandes coisas, que o táxi que me levou até o posto de vacinação – no sensacional Campo de São Bento, aqui na minha querida Niterói – fosse conduzido por um senhor negacionista. Eu sempre procuro puxar conversa com o motorista, acho que eles cumprem uma jornada cruel, nada errado em bater um papo. E sempre começo perguntando sobre a vacina ou sobre o futebol. Optei pela primeira e já topei com esta fala:

– Eu não tomei, não. Eu não sei de onde vieram essas vacinas. Elas não foram testadas direito, eu não vou tomar, não.

 

Em outros tempos eu discutiria com o cara, talvez até pedisse para descer. Mas não no dia 02 de agosto de 2021. Preferi saborear a ironia do momento e perguntei como ele sabia disso:

– Eu conheço uma média, ela não recomendou vacina nem pros filhos dela. E ainda tem mais: os Estados Unidos construíram um cemitério para milhões de pessoas no meio do deserto. E a China ajudou a fazer. Onde tem chinês, a coisa não pode funcionar.

 

Eu preferi dar corda pra ver até onde ia o delírio. E perguntei:

– Mas o senhor não tem medo de pegar covid?

 

Ele respondeu, orgulhoso:

– Eu não! Eu estive gripado aí, tava forte, mas me curei. O senhor sabe como? Com chá de boldo, dia sim, dia não. Eu é que não vou me arriscar a tomar essa vacina que ninguém testou direito. Todas as vacinas que existem foram testadas por dois a cinco anos, em humanos. Essa nem foi, eu não tomo. Se estiver tudo bem daqui a dois anos, eu vou lá e tomo.

 

Felizmente o percurso já se havia completado depois deste festival freestyle de absurdos. Pedi para parar logo à frente.

– O senhor vai dar uma arejada aí no Campo? – ele perguntou.

 

Eu não poderia deixar passar:

– Não, meu amigo. Vou tomar a segunda dose de vacina. Passar bem.

 

Os negacionistas, eles existem e estão muito próximos de nós. Se a vida em sociedade já era balizada por várias instâncias de discussão, o negacionismo e tudo o que vem dele, é uma triste realidade. Por mais que a gente se cuide, se isole, se preserve, mais cedo ou mais tarde, tal qual um episódio das temporadas mais recentes de The Walking Dead, a gente vai topar com um deles.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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