Lô Borges inquieto, caótico e sinfônico

 

 

 

 

Lô Borges – 50 Anos de Música – Ao Vivo na Sala Minas Gerais
61′, 12 faixas
(Deck)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Há cerca de um ano, Lô Borges subiu ao palco da Sala Minas Gerais, acompanhado da Orquestra Filarmônica do estado e do grupo DoContra, com o objetivo de sintetizar cinquenta anos de carreira num único show. Em que pesem o formato sinfônico-acústico e a enorme quantidade de canções dignas de figurar em tal celebração, Lô escolheu um repertório generoso e satisfatório, do qual iremos falar mais à frente. O que mais surpreende na audição desta apresentação (que também está disponível na íntegra no YouTube) é o vigor com que o veterano artista atacou suas criações, sem falar nos arranjos audaciosos e interessantes, criados por Neto Bellotto, do DoContra, que deram um colorido diferente a composições que, em sua maioria, são bastante conhecidas do público de Lô.

 

As imperfeições vocais que Lô vem mostrando nos últimos tempos servem como um vigoroso trunfo de espontaneidade em meio ao conjunto de canções. Seu registro está oscilante e confere um ar de esforço e superação de adversidade, que cai muito bem com os arranjos e as próprias composições. E o repertório, conforme dissemos, é generoso, ainda que esqueça pelo menos um clássico absoluto da carreira do homem, que é “Equatorial”, deixada misteriosamente de fora. Outra belezura que não entrou na celebração foi “A Força do Vento”, canção linda, ainda que, admitamos, é menos importante que a própria “Equatorial” e a maioria das escolhidas. Lô recorre a uma tática comum em discos dessa natureza, que é utilizar o “medley”, aquele recurso que mistura algumas composições numa só execução, mas é algo que ele faz com elegância e parcimônia, juntando “Estrelas” e “Clube da Esquina 2” numa só tacada, bem como “Dínamo” e “Feira Moderna” e com a trinca “Onde A Gente Está”, “Canção Postal” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”. Funciona.

 

Lô viveu um 2022 memorável, cheio de reconhecimento e celebração desta marca cinquentenária. Deu shows, viajou, além de lançar um belo álbum de inéditas logo no início do ano, “Chama Viva”. No início de 2023, ele também soltou outro disco de canções inéditas, “Não Me Espere Na Estação”, reafirmando sua inquietação e criatividade, que deram um salto exponencial neste século. De “Chama Viva” vem uma belíssima canção, “Veleiro”, que ganha um tratamento sinfônico belo e justo. Além dela, representando esta fornada mais recente de composições, “Dínamo”, faixa-título do álbum que Lô gravou e lançou em 2020, também está presente, devidamente encaixada na melodia atemporal de “Feira Moderna”. Mas, além dos cinquenta anos de música, o ano de 1972, quando Lô participou de “Clube da Esquina”, ao lado de Milton Nascimento e lançou seu famoso “disco do tênis”, responde por sete das doze canções presentes aqui.

 

Soam belas e impávidas “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, que abre os trabalhos com uma releitura emocionante, abrindo espaço para “Caçador”, “O Trem Azul” e “Faça Seu Jogo”, recriando o “Tênis Clube” daquele ano distante. Belo também é o resgate de duas canções pré-Clube, “Para Lennon e McCartney” e “Clube da Esquina”, que entraram no álbum que Milton lançou em 1970 e marcaram a estreia de Lô na arte da composição e na própria mitologia daquele tempo. Emocionante é o tratamento que “Clube da Esquina 2” recebe, no qual o arranjo designa um cello para recriar os solfejos que Milton nos segundos finais do original. Bela também é a presença de um pequeno colosso com jeito de canção de acampamento que é “Paisagem da Janela” e emocionante é o resgate de uma belíssima composição oitentista de Lô, “Sonho Real”, faixa-título de seu álbum de 1983, a qual eu já pensei em dedicar para toda e qualquer moça pela qual me apaixonei naqueles idos.

 

Este disco mostra com precisão a fase atual de Lô Borges: ousado, relevante, ativo e cheio de criatividade. Sua postura e atitude neste celebração mostra um artista em diálogo respeitoso e não-nostálgico com sua obra, um verdadeiro garoto. Imperdível.

 

 

Ouça primeiro: o álbum todo.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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