O vovô garoto Lenny Kravitz
Lenny Kravitz – Blue Electric Light
55′, 12 faixas
(BMG)
Lembro nitidamente de quando Lenny Kravitz surgiu. Era a virada dos anos 1980/90 e ele vinha como uma mistura de Prince com John Lennon, ou algo parecido. O artista perfeito, que misturaria a black music clássica e moderna com um toque rock’n’roll psicodélico, descendente das linhagens mais respeitadas. De fato, os três primeiros álbuns de Kravitz, “Let Love Rule” (1989), “Mama Said” (1991) e “Are You Gonna Go My Way” (1993) são excelentes, cada um a seu jeito. Têm um apelo irresistível pelas sonoridades mais vintage – algo que era moda no início dos anos 1990 – e, muito além da moda e da bela estampa, Lenny entendia do assunto. Bom guitarrista, bom cantor e compositor acima da média, ele foi gigante naquele tempo e seguiu ativo, produzindo álbuns com frequência, sendo que sua cover de “American Woman”, presente no álbum “5”, talvez ainda seja seu momento de maior evidência. O fato é que Lenny continua produzindo boa música. Lembro de uma presença sua no Lollapalooza de 2019, quando colocou no bolso seus coleguinhas de data, Interpol e Greta Van Fleet, com uma apresentação típica de quem entende do assunto e tem ótimas garrafas vazias para vender. E ele segue assim em seu novíssimo álbum, “Blue Electric Light”.
O álbum foi gravado em seu estúdio nas Bahamas com o parceiro Craig Watson, seu escudeiro de vários anos. Como sempre, Lenny toca vários instrumentos, canta e assina todas as composições. E joga nas onze, com fluidez equivalente em vários escaninhos da música pop rock tradicional dos anos 1980 e 1990. Ele ainda tem a manha e consegue dar relevância ao que grava e compõe no mesmo nível de suas aparições na mídia. Frequentemente o homem aparece falando de design (ele tem uma empresa no ramo), emitindo opiniões sobre vinhos (ele é sommelier autorizado) ou por conta de seu estilo de vida saudável – ele é vegano e foi eleito “o vegano mais bonito do mundo” em 2022, ao lado da nossa Anitta. Além disso, Lenny tem uma propriedade imensa em Duas Barras, região serrana do Rio, onde planta tudo o que come e consome. Ou seja, o cara é gente boa, multitarefas e um candidato a sogro ideal (izado), visto que é pai da sensacional Zoe Kravitz. Ou seja, Lenny é o cara. E segue inatacado pela ação do tempo, talvez um indivíduo remanescente do mesmo clã imune ao envelhecimento, como Avril Lavigne e Neguinho da Beija-Flor. E, antes que me esqueça: está escalado para participar da final da Champions League, entre Real Madrid e Borussia Dortmund, em Londres.
Sendo assim, ele poderia deixar a música em segundo plano, mas não. Ele segue com habilidades inegáveis no trânsito do rock e do funk menos complicados ou etiquetados, nos quais suas evidentes credenciais de bom compositor e cantor surgem com frequência e facilidade. “Blue Electric Light”, seu décimo-segundo disco, é como seus trabalhos mais recentes. Sem preocupação estilística ou conceito que amarre as canções, mas com a ideia simples de contato com a natureza e sua preservação, além de uma busca pela transcendência espiritual, que pode ocorrer pelo respeito ao planeta, pelo bom convívio com as pessoas ou pelo amor/sexo. Aliás, neste terreno, Lenny se sai com uma das canções mais safadas de seu repertório, “TK421”, que, é uma ode a seu, digamos, pau. Sob o linguajar derivado de “Star Wars”, onde TK421 pode ser a designação de um Stormtrooper, as temidas tropas imperiais, ele faz a analogia e vem com bom humor e molecagem na medida exata.
Ainda que Lenny seja mais conhecido da galera por conta de seus rockões tradicionais, suas incursões no funk sempre são mais interessantes. Por exemplo, aqui ele tem uma canção que mais parece saída da Motown, 1969, chamada “Honey”. Linda, simples e perfeitinha, como tudo deve ser. Também há espaço para um tecnopop oitentista meio inédito em seu cânone, “Human”, que faz bonito na melodia criativa e no acento pop de seu refrão. Outro bom momento neste terreno é “Let It Ride”, que, apesar de um degrau abaixo das duas, é legalzinha e mostra Kravitz com mais bom humor. Em “Bundle Of Joy” ele mistura os dois troncos principais de sua música com habilidade e brinca de hair metal oitentista em “Paralyzed”, com ótimas guitarras. E no setor transcendental, canções como “Heaven”, “Love Is My Religion”, “Spirit In My Heart” e a faixa-título garantem o quociente de viagem e pé na terra.
Lenny Kravitz é um cara comprometido com o que faz. Só grava quanto tem algo a dizer e seu processo criativo desafia a constância industrial da música pop. Ele já tem seu público fiel, desfruta de trânsito fácil entre a galera mais jovem e não parece se abalar com nada. “Blue Electric Light” faz bonito numa carreira de pouquíssimos erros.
Ouça primeiro: “Heaven”, “Human”, “Paralyzed”, “Bundle Of Joy”, “Let It Ride”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.