Patti Smith em São Paulo

 

 

Patti Smith é um destes mitos do rock, quando o estilo significava realmente uma ameaça ao sistema. Hoje parece ingênuo – e talvez seja – falar nisso, em atestar que o rock era, de fato, algo perigoso e que poderia sair do controle, expandir fronteiras, juntar poesia, atitude, lirismo, tudo junto. Se hoje é tolo pensar assim, lá pelo início dos anos 1970 fazia todo o sentido. E Patti é uma sobrevivente deste tempo, alguém que é uma espécie de fonte histórica viva e documental de uma época distante, de um outro século. Sim, dá um certo incômodo pensar assim, né?

 

Ela estará presente em São Paulo neste fim de semana e já tem compromisso marcado para amanhã e sábado. O Popload Festival, que vai trazer um monte de gente bacana para se apresentar no Memorial da América Latina neste dia 15 de novembro, terá, além de Patti, os Raconteurs, a cantora Tove Lo, o Ilê Aye e outros, mas ela é, sem dúvida, a atração mais interessante. É a sua primeira vez em São Paulo, mas Patti já esteve no Rio e em Curitiba no longínquo Tim Festival, de 2006.

 

Além do show do Popload Festival, Patti faz uma apresentação no sábado, no Auditório Simon Bolívar, com ingressos revertidos em trabalho voluntário para a Ong Beaba, que atua contra o câncer infantil, conscientizando pacientes e suas famílias. É provável que esta segunda apresentação tenha trechos de leitura de seus livros – “O Ano do Macaco” e “Devoção”, os quais ela também vai lançar amanhã, no SESC Pompeia, com direito a bate-papo, mediado por Fernanda Diamante, que é curadora da Flip. Pra este evento, os ingressos serão gratuitos e distribuídos uma hora antes.

 

E por que Patti Smith é tão importante, hein?

 

Além de discos definitivos para o rock setentista – como “Horses” ou “Easter”, Patti fundiu estéticas diferentes, unindo literatura, postura e uma aproximação sonora que uniu sonoridades de The Doors, Velvet Underground e Lou Reed com o nascente punk rock novaiorquino. A ideia de ter uma cantora/compositora extremamente bem informada em termos literários e estéticos, mas também adepta da crueza do rock mais básico era um sonho que se materializava diretamente em “Horses”, de 1975. As presenças do guitarrista Lenny Kaye (seu parceiro desde então e que vem aos shows em São Paulo) e do produtor John Cale – co-cérebro do Velvet ao lado de Lou Reed – atestam a linha evolutiva daquele rock criativo e referencial que surgiu no fim dos anos 1960.

 

Patti sempre foi uma figura com posicionamento político importante. Não por acaso ela tem a capacidade de dar sentido a várias questões. Seu livro “O Ano do Macaco” fala, além de perdas pessoais, do flagelo da eleição de Donald Trump, mostrando como foi difícil para ela lidar com isso. Em seu disco de versões “Twelve”, lançado em 2007, ela se apropria de uma pop song clássica – “Everybody Wants To Rule The World”, do Tears For Fears – e confere à canção uma aura que vai longe dos estádios e entra no plano pessoal-político, tornando-a uma reflexão íntima. Não por acaso, “People Have The Power”, canção que ela lançou em 1990, no disco “Dream Of Life”, foi utilizada pelo U2 como libelo contra o próprio Trump em sua última turnê mundial.

 

As apresentações de Patti Smith em São Paulo são raras oportunidades de ver alguém muito importante para a cultura do século 20. Não acontece sempre e você não pode perder. Corra atrás do ingresso para a Popload – porque os da apresentação de sábado se esgotaram em horas – e vá fazer plantão na porta do SESC Pompeia. É o mínimo que você pode fazer.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Patti Smith em São Paulo

  • 14 de novembro de 2019 em 13:36
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    CEL a canção que o U2 canta não é “People Have the Power’?

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    • 14 de novembro de 2019 em 15:11
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      Sim, meu caro. Ato falho já corrigido. 🙂

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