Passou da hora de se apaixonar pelas Hinds
Hinds – Viva Hinds
31′, 10 faixas
(Number Music)
Uma audição casual das dez faixas de “Boom Boom Back” dará você a certeza de estar ouvindo uma banda da Califórnia em mais um disco sobre a magia do verão e tudo mais. Há muito mais por trás das canções redondíssimas que estão contidas neste que é o quarto trabalho de Ana Perrote e Carlotta Cosials, na verdade, espanholas de Madri. E mais, este é o primeiro trabalho que a banda delas, Hinds, se vê reduzida a uma dupla. Nos outros três trabalhos anteriores, Ade Martín e Amber Greenbergen respondiam por baixo e bateria, respectivamente, o que faria pensar que estamos diante de um disco meio sem eira nem beira, certo? Errado. “Viva Hinds” é uma delicinha colorida, com gosto de anos 1990 num espectro tão amplo que poderia abarcar tonalidades de gente tão distinta quanto Cibo Matto e Spice Girls, tudo num mesmo amálgama saltitante e exuberante. Em pouco mais de meia hora, essas duas moças farão você grudar seus ouvidos nestas canções, cada uma com brilho próprio e fofura intrínseca. Aliás, é correto afirmar que a forma de duo confere maior brilho à banda. Senão vejamos.
Foi como duo que Carlotta e Ana iniciaram suas atividades na virada dos anos 2000/10. Naquele tempo, tinham o nome de Deers fizeram barulho por volta de 2014, quando começaram a lançar alguns singles e ser convidadas para festivais espanhóis e, logo depois, para apresentações fora da Espanha, chegando a Austrália e Tailândia em 2015, o que sinalizava a urgência de um álbum completo. Com a chegada de Ade e Amber, adotaram o nome de Hinds e lançaram seu primeiro álbum, “Leave Me Alone”, que chegou às lojas em janeiro de 2016. De lá até 2022, as Hinds só fizeram crescer e incorporar mais e mais tonalidades ao seu punk rock garageiro honestíssimo e altamente feminino, realmente adorável. O tipo de banda que faz uma cover de “Spanish Bombs”, do Clash, e que explica a escolha com suas integrantes, três espanholas e uma holandesa, se sentindo honradas por um grupo tão importante e combativo do rock atemporal ter falado sobre a Guerra Civil Espanhola. Com o tempo, elas foram desenvolvendo este apreço pela melodia e pela malandragem do verão californiano, algo que contaminou – no melhor sentido do termo – a produção do quarto álbum, este ótimo “Viva Hinds”.
Sendo assim, a saída de Ade e Amber em 2022 pode ter trazido Carlotta e Ana um “espírito Deers” de volta, algo assim, o fato é que as duas estão soltinhas ao longo das dez faixas e contam com a presença de algumas figuras interessantes. Pete Robertson, ex-baterista do Vaccines, assina a produção e se mostra bem mais talentoso na pilotagem de estúdio do que segurando as baquetas de uma banda tão sem sal. Beck, um dos ícones noventistas dessa visão distorcida, distópica e largada de verão, ajuda a dar mais sentido a “Boom Boom Back”. A gravação é fortemente influenciada pelo que ele fazia nos anos 1990 em seus momentos mais pop, mas também incorpora sombras do pop rock límpido e objetivo que Smash Mouth ou Sugar Ray costumavam fazer. O vídeo é igualmente bacana, com ótimas sequências. “Boom Boom” foi o segundo single do disco, lançada em maio, após a confessional e marrenta “Coffee” ser escolhida para iniciar a sequência de divulgação, em fevereiro.
“Hi, How Are You”, que abre o disco como se reapresentasse a banda em forma de dupla, tem uma levada de guitarra que vai crescendo enquanto vocais soturnos vão ganhando força e fofura, para explodirem mais à frente num refrão maravilhoso. Em seguida vem a romanticazinha “The Bed, The Room, The Rain And You” com teclados e melodia que lembram um sem-número de canções e bandas dos anos 1990, mas sem um único traço de nostalgia ou revisionismo. A canção é ótima, bem construída e as meninas mostram muito talento com os vocais e climas. “Stranger” é uma lindeza agridoce que tem a presença de Grian Chatten, vocalista dos irlandeses do Fontaines DC, e o resultado é uma pungente canção pós-punk oitentista totalmente reimaginada para este 2024 tão estranho. “Superstar” é uma canção que vai crescendo, com teclados e linha de baixo/guitarra que vão tomando conta, enquanto os vocais vão ficando soterrados na maçaroca. Bem feita, bem legal. “Mala Vista” é uma das duas canções com letra em espanhol e tem um arranjo fofo e pop que deve crescer bastante ao vivo. A outra é a climática “En Forma”, que tem pique sessentista e algumas guitarrinhas saturadas, que funcionam muito bem. “On My Own” é punk-rock baixos teores que vai bater firme nos corações pós-adolescentes, enquanto “Bon Voyage” fecha os trabalhos a meio caminho entre uma canção mais lenta e uma pop song dourada.
Carlotta e Ana são bacanas. Elas estão num ótimo vídeo da série “What’s In My Bag?” da Amoeba Records no YouTube e lá falam um pouco sobre as influências da banda. Este trabalho das Hinds é delicioso e vem firme para ser o seu próximo caso de amor musical, se tudo der certo. Ouça.
“Hi, How Are You”, “Boom Boom Back”, “Stranger”, “The Bed, The Room, The Rain And You”, “Superstar”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.