Trio de synthpop bielorrusso chega ao estrelato
Molchat Doma – Belaya Polosa
48′, 10 faixas
(Sacred Bones)
A música pop é algo sensacional e imprevisível. Veja o caso do trio bielorrusso Molchat Doma: em 2020, pandemia de covid-19 instaurada, uma canção da banda surge no TikTok. Não se tem lembrança precisa sobre que assunto o pequeno vídeo postado na plataforma queria dizer, mas poderia ser algum artista russo mostrando sua versatilidade nas tatuagens ou algo assim. A partir dos compartilhamentos da publicação, que continha trecho da canção “Sudno”, o trio foi sendo divulgado de uma forma inédita até então. Em pouco tempo, a faixa, que falava sobre um jovem poeta que enfrentava o suicídio aos 26 anos, estava sonorizando vídeos de todos os tipos – pessoas passeando com cachorro, gente experimentando várias roupas diante do armário, gente tingindo os pelos das axilas de azul, passeando por sua cidade…E então os efeitos da súbita fama chegaram até as frias ruas de Minsk, capital do antigo país soviético. Era o período posterior a uma eleição supostamente fraudada do líder Aleksandr G. Lukashenko, então reeleito presidente de Belarus, considerado o último ditador europeu em atividade e o Molchat Doma estava em vias de lançar seu terceiro disco, “Movement”. As canções da banda, a partir da fama adquirida, começaram a sonorizar mensagens ocidentais de força para os bielorrussos, então em protestos abertos contra a reeleição de Lukashenko. De lá pra cá, cerca de quatro anos depois, o trio é uma estrela em ascensão, já tem fama mundial e apresenta seu quarto álbum: “Belaya Polosa”, lançado pela gravadora americana Sacred Bones, com a banda morando em Los Angeles. E aí? O que esperar do “Depeche Mode” bielorrusso?
Se comparado com os outros três álbuns lançados pelo Molchat Doma (que significa “casas quietas” em russo), “Belaya Polosa” (que, por sua vez, quer dizer “faixa branca”) é mais, digamos, acessível. Não que a fórmula usada pelo trio seja revolucionária, pelo contrário. O som que Egor Shkutko, Roman Komogortsev e Pavel Kozlov fazem é synthpop oitentista com pitadas indie atuais e algumas concessões a timbres new wave. Dá pra dizer que a sonoridade do novo trabalho tem uma especial atenção pelo que o Depeche Mode fez entre o fim dos anos 1980 até o lançamento do álbum “Ultra”, em 1997, ou seja, uma espécie de híbrido entre o technopop que o grupo inglês fazia, devidamente convertido para tons mais soturnos a partir de “Violator” (1990) e algo de trip hop ou som eletrônico semelhante. O que dá pra dizer é que se trata de uma sonoridade dura, triste, solene e é isso que o fã da banda parece querer ouvir mais que tudo.
Talvez alguns estranhem a limpeza da produção e as sutis apropriações de efeitos eletrônicos aqui e ali, o que impede que o Molchat Doma soe como se estivesse numa transmissão pirateada de algum abrigo nuclear com localização ignorada, em algum ponto na Europa do Leste, como costumava soar. O fato é que a mudança para Los Angeles e as circunstâncias que envolvem a produção deste novo álbum são inéditas para a banda. Se há quatro anos, o trio cohabitava um apartamento minúsculo em Minsk, agora os sujeitos surgem em lineups de festivais alternativos na Califôrnia, como foi o Cruel World, de 2023. Tais fatos podem “contaminar” a escrita e a produção, mas o único efeito parece ser notado mesmo na clareza da gravação e nas tais tinturas eletrônicas. A poética do trio segue falando sobre questões existenciais e a vida sob um cotidiano opressor – de uma forma muito diferente do que é a opressão no chamado “mundo livre”. Se aqui a rapidez do tempo e a injustiça generalizada dão o tom, no mundo do Molchat Doma, a existência do ser é a questão que está em xeque, especialmente sob conjunturas em que há supressão de liberdade de expressão.
As canções são muito bem gravadas e intrigantes. A abertura com “Ты Же Не Знаешь Кто Я / Ty Zhe Ne Znaesh Kto Ya” tem timbres que lembram várias passagens de New Order ou mesmo Front 242, apenas para termos ideia do espectro amplo que o grupo está tentando abarcar. Mas há momentos em que o modus operandi neogótico da banda se permite alguns tons de luz. Em “Белая Полоса / Belaya Polosa”, a faixa-título, há sintetizadores e baterias eletrônicas com levadas mais pop e o tom de voz de Egor Shkutko parece, de fato, com o de Dave Gahan, do Depeche Mode. O uso de guitarras em forma harmônica ajuda a dar a impressão de que estamos num álbum do trio inglês de 1992 ou algo assim. A melodia é bela e a voz transmite uma tristeza conformada, mas nunca aceita. Em “Я Так Устал / Ya Tak Ustal” esses timbres seguem em abertura solar forte o bastante para permitir uma fração de segundo de esperança no futuro, algo que o groove technopop de “Не Вдвоëм / Ne Vdvoem”, cuja percussão eletrônica lembra um pouco os momentos mais darks de The Cure ou New Order, permitem perceber que a musicalidade de Molchat Doma está, de fato, evoluindo.
É sempre bom ouvir algo novo e/ou inquietante. A sonoridade do Molchat Doma é conhecida, pós-punk, gótica, synthwave e tal. Sua história, sua trajetória e sua carreira, se desenrolando a olhos e ouvidos vistos, torna tudo muito mais interessante. Ouça.
Ouça primeiro: “Ты Же Не Знаешь Кто Я / Ty Zhe Ne Znaesh Kto Ya”, “Белая Полоса / Belaya Polosa”, “Не Вдвоëм / Ne Vdvoem”, “Я Так Устал / Ya Tak Ustal”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.