O novo – e ótimo – disco do Morcheeba

 

 

 

Morcheeba – Blackest Blue

Gênero: Trip hop

Duração: 43:19 min
Faixas: 10
Produção: Ross Godfrey
Gravadora: Fly Agaric Records

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Com o Morcheeba não tem erro. Skye Edwards e Ross Godfrey, cantora e produtor/multinstrumentista, respectivamente, são dois sujeitos com muitos talentos e bom gosto. Surgidos no meio da década de 1990, quando a banda ainda contava com Paulo Godfrey, irmão de Ross, o Morcheeba veio na esteira das formações de trip hop de Bristol, especialmente Massive Attack e Portishead, com a ideia de pegar as texturas enfumaçadas e torturadas e fundí-las com um pouco de pop e/ou reggae, levando o estilo para passear por caminhos mais arejados e populares. O primeiro disco, “Who Can You Trust”, caiu no gosto dos fãs desse “pós-trip hop” e preparou o terreno para o disco seguinte, “Big Calm”, que emplacou um hit underground, “The Sea”. Com o terceiro, “Fragments of Freedom”, veio a consagração mundial a partir do sucesso de “Rome Wasn’t Built In A Day”, que até em trilha sonora de novela global foi parar.

 

Após o disco seguinte, “Charango”, de 2002, o Morcheeba seguiu adiante e sumiu das nossas vistas e ouvidos. Para muitos admiradores de ocasião, a banda se restringira a estes álbuns e ponto final. Mas o trio seguiu adiante, lançando discos e singles com frequência e mantendo uma audiência fiel na Europa, até que os irmãos Godfrey se desentenderam seriamente. Antes disso, em 2009, Skye Edwards lançou um disco solo e, lá por 2013, após o oitavo álbum, “Head Up High”, a banda terminou por conta da disputa entre os irmãos. Cinco anos após muita lavação de roupa suja, o nome Morcheeba voltou para Ross e Skye, que retomaram as atividades com um disco sensacional, que passou batido por aqui: “Blaze Away”. Duas faixas mostravam uma linha de identidade nítida com o trabalho da banda desde os primórdios: “It’s Summertime” e “Sweet L.A”, que, mesmo sem os climões enfumaçados, traziam o bom gosto de Ross nos arranjos e a voz maravilhosa de Skye, que parece melhorar com o tempo.

 

Nesta mesma lógica, chega agora este décimo trabalho, “The Blackest Blue”, que aprofunda a diversidade sonora do Morcheeba e ainda bem com um fiapo de conceito unificado, que consiste em abordar a capacidade que todos temos de vivenciar momentos difíceis, sermos transformados ao longo deste processo e, mais à frente, sairmos “diferentes mas ainda os mesmos”. É algo meio abstrato, mas, reduzindo a coisa, a ideia é sobre as porradas que a vida nos dá e que nos fazem aprender e melhorar. Tem a ver com a pandemia, com as decepções amorosas, cotidianas, enfim, com a própria vida. Seria uma lenga-lenga se as canções não fossem tão bem feitas, bem tocadas e de extremo bom gosto. E mais: é um trabalho em que o Morcheeba se remete diretamente às origens cinzentas do início da carreira.

 

O álbum tem vários momentos belos, já começando pela faixa de abertura, “Cut My Heart Out”, com melodia sensacional, arranjo na medida certa de influências trip hop e belíssimo trabalho de guitarras, dando uma aura psicodélica ao resultado final, coisa linda de se ouvir. Há alguma coisa de jazz soul em “Killed Our Love” e uma cruza belíssima de Sade com Massive Attack em “Sounds Of Blue”, mostrando que o princípio original do Morcheeba – levar o trip hop para passear sob o sol – se manteve após tantos anos. “Sulphur Soul” é um instrumental que oxigena o caminho sonoro e lembra as guitarras envenenadas do Portishead, enquanto “The Moon” também evoca climas psicodélicos bem sutis, se valendo da ótimas voz de Skye para adornar a levada soturna, enquanto “The Edge Of The World” é uma bem-vinda faixa mais funky, com participação de Duke Garwood, que encerra os trabalhos.

 

“The Blackest Blue” é um disco belo, inteligente e interessante. Se você gosta dos primeiros trabalhos do Morcheeba e havia perdido a banda de vista, ele serve como ótima bula de retorno. Se você nunca ouviu falar dos caras, as dez canções aqui presentes são exemplos de ótima produção e influências muito bem assimiladas.

 

Ouça primeiro: “Cut My Heart Out”, “The Moon”, “Sounds Of Blue”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “O novo – e ótimo – disco do Morcheeba

  • 22 de junho de 2021 em 01:02
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    Rapaz, fico feliz que a resenha tenha te animado a comprar o álbum importado. Abraço.

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  • 21 de junho de 2021 em 15:47
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    O meu álbum acabou de chegar… sim, importei porque uma obra dessas merece o registro físico! Morcheeba sempre foi sensacional e merecia essa resenha! Música boa, bom gosto e a voz de Skye é tudo que precisamos! Parabéns!

    Resposta

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