Entrevista: Pupillo

 

 

Romário Menezes de Oliveira Jr, mais conhecido como Pupillo, é um dos músicos e produtores mais requisitados do país. Membro original da Nação Zumbi, baterista de Nando Reis, piloto de estúdio de vários artistas, marido de Céu, ele tem uma agenda muito apertada mas não abre mão de exercitar sua maior paixão, que é pensar sobre música. Seu disco “Sonorado”, lançado agora, é um exemplo de como ele enxerga a questão. A partir de influências que misturam as trilhas sonoras originais de novelas do fim dos anos 1960/70, ele converteu estes originais para versões moderníssimas, antenadas em relação às pistas de dança e ao mundo dos DJs. Fã de música, Pupillo é um desses caras que não se contenta apenas em tocar.

 

“Sonorado” é lançamento digital da Deck e clama pela sua atenção. São nove faixas praticamente instrumentais, com temas de “Selva de Pedra”, “O Bem Amado”, “O Semideus”, entre outros títulos de histórias televisivas clássicas, que Pupillo traz para o mundo de 2020. Não que isso signifique abrir mão de algo, pelo contrário, a intenção do disco é exaltar o trabalho de compositores e arranjadores do passado, que deixaram sua marca neste universo sonoro.

 

Conversamos com ele sobre a ideia de trazer estes temas para hoje e como ele pretende levar este show para a estrada num mundo pós-pandemia que, esperamos, não tarde a chegar.  Lembrando: “Sonorado” é, sem dúvida, um dos melhores discos nacionais de 2020. Não deixe de ouvir.

 

 

 

– Como surgiu a ideia de fazer este disco sensacional apenas com temas de novelas antigas?

A ideia desse disco surgiu com o convite que me foi feito pelo SESC pra fazer um show num evento chamado Ritmistas Brasileiros. Como eu não sou um instrumentista virtuoso, achei que juntar as trilhas de novelas com a influência do hip hop seria uma ideia bacana. Essas trilhas, do final dos anos 1960 até meados dos anos 1970, são cultuadas no universo dos DJs e como o hip hop tem uma influência muito forte na minha carreira, eu achei que casaria bem. E deu certo, o show foi um sucesso, muito bacana e, a partir daí, logo em seguida a gente entrou em estúdio e, em dois dias, gravou o disco.

 

 

– As trilhas sonoras das novelas foram sempre um veículo para divulgação de novos artistas. Você acha que elas ainda cumprem este papel hoje em dia?

Sim, as novelas ainda continuam sendo um veículo importante de divulgação para os artistas, mas nesse período que eu abordo é quando as trilhas eram feitas exclusivamente para as novelas. Então havia compositores importantíssimos, várias trilhas eram compostas apenas por um ou dois compositores, sem falar que a gente tinha arranjadores e músicos incríveis. E isso dava uma unidade para a trilha sonora. Mesmo que tivesse participações de outros cantores…mas normalmente essas trilhas desse período eram gravadas por orquestras e arranjadas por um único maestro, caso de Erlon Chaves e Waltel Branco. Isso dava uma unidade muito importante, que hoje não existe. Hoje elas são compilações, continuam sendo importantes mas o formato mudou muito.

 

 

– Você costumava ver novelas? Ainda vê? Pode citar suas três preferidas?

Cheguei a assistir na infância e na adolescência. Cito três importantes, “Roque Santeiro”, “Salvador da Pátria” e “O Bem Amado”, mas o meu interesse sempre foi mais a música. Quando me torno músico e começo a fazer minha coleção de vinis, eu descubro que essas trilhas traziam uma abordagem sonora que é cultuada no mundo todo, especialmente por DJs e colecionadores. Então esse interesse não parte de uma memória visual, mas de uma memória musical, de quando me tornei músico.

 

 

– Como você arregimentou e escolheu a banda pra gravar o álbum?

Pra arregimentar a banda eu queria pessoas que tivessem, pelo menos a maioria dos músicos, trabalhos como produtores. Marcio Arantes, Thomas Harres, Zé Ruivo, então, dentro desse círculo de amizades que eu tenho na música – que é amplo – eu queria, inclusive, pra facilitar o meu trabalho, ter pessoas que produzissem e pudessem dar mais contribuições pro disco. A gente gravou tudo em dois dias e, pra fazer o shows, a gente fez poucos ensaios…ter pessoas com essas capacidades facilita muito. E cada um tem o seu estilo, isso fica forte, evidente no disco. Era o que eu queria: um processo coletivo.

 

 

– A gente ouve as faixas do álbum e pensa logo na genialidade dos arranjos. Como você pensou neles e que ponto de partida você teve?

O ponto de partida foi observar os arranjos originais. A gente tem grandes arranjadores envolvidos nestas canções, então já parti deles e me deu um norte. Eu queria que tivesse uma relação com o hip hop, com a cultura do DJ, o uso das picapes pra achar trechos e músicas em que as batidas eram selecionadas e que pudessem ser dançáveis. Eu quis juntar essas duas referências: os arranjos originais e a influência do breakbeat.

 

 

– Essas canções eram compostas para as trilhas de novelas por gente como Marcos e Paulo Sérgio Valle, Toquinho e Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Antonio Carlos & Jocafi, Azymuth, Roberto e Erasmo Carlos, Baden Powell e Paulo César Pinheiro…O quê falta para que os novos compositores de cumpram esse papel hoje em dia nas novas produções televisivas?

 

Compositores talentosos nós temos, uma infinidade. A questão maior é a indústria e como ela e as emissoras enxergam esse papel hoje em dia. As trilhas eram feitas especialmente pras novelas e, hoje em dia, o mercado mudou, virou uma grande compilação e as gravadoras, com seus acordos com as emissoras, impõem uma atenção maior para os trabalhos que elas lançam. Longe então de ser uma deficiência por parte dos artistas, é muito mais é uma imposição, uma questão de direcionamento da indústria fonográfica, desses acordos – como sempre houve – de colocar seus artistas em evidência.

 

– Você é baterista requisitadíssimo e produtor, igualmente solicitado. Como você se mantém atualizado em relação à música? O que você tem ouvido que te chamou a atenção?

Eu escuto música o tempo inteiro. Música antiga, de hoje em dia, a gente tem uma infinidade de artistas com trabalhos incríveis. Só pra citar dois: eu gosto muito do BaianaSystem, não só pela musicalidade, mas por como eles trabalham as referências, a música deles me lembra um pouco o que o Chico Science fazia nos anos 1990. De faz uma música de dentro pra fora, usando as referências próprias, a própria cultura. Criaram um som novo, com frescor, não só pra música feita na Bahia, mas no Brasil. O jeito como eles jogam a música eletrônica pra cima do trio elétrico e mexer com a massa do jeito que eles fazem…o show deles é incrível, os discos são incríveis, é uma banda que eu respeito muito. E Ana Frango Elétrico, que é uma artista nova, com uma cabeça muito aberta para sonoridades, preocupada com estética. Ela enxerga música com outras óticas, porque ela curte outras manifestações artísticas. Isso acrescenta bastante ao som dela, tem um ar nostálgico que me agrada muito, eu sou fã do som dela.  Essa atenção que eu dou à música que é feita em todas as épocas. Com mais de 60 anos da música pop, a gente tem uma série de registros que são incríveis, que a gente pode usar como referência, não só a música que foi feita lá atrás, mas a música que é feita hoje também. Com essa possibilidade de juntar referências de várias épocas, a gente já tem uma quantidade maior de trazer referências pra gente criar um trabalho novo.

 

 

– Quando a pandemia melhorar/passar, você pretende levar este projeto para a estrada?

Sem dúvida! Eu fiz um único show, que deu origem ao disco, no SESC. A intenção é essa, vamos ver o que conseguiremos fazer quando as portas do mundo se abrirem de novo. Eu estou envolvido em outros projetos, por exemplo, eu acompanho o Nando Reis há quase dois anos, tem sido a prioridade. Sem dúvida, nessas brechas, eu vou querer cair na estrada com esse trabalho, sim.

 

– Falando em pandemia, como você tem lidado com essa condição?

Bom, esse período não tá fácil pra ninguém, né? Não só pra trabalho, mas, principalmente, para as pessoas que estão em condição de vulnerabilidade maior, sem condições. Existe uma série de ataques à cultura, por exemplo, os profissionais não conseguem mais trabalhar. É muito difícil você ter capacidade, ter o talento…é uma situação extraordinária, claro, mas é muito sério você ficar sem poder exercer suas funções por conta da pandemia. O que me tranquiliza é saber que eu estou aqui, com a minha família, com as pessoas que eu amo e poder passar por isso com pessoas que estão dispostas a passar por isso juntas. Nesse caso houve uma possibilidade de se conhecer mais, aprofundar as relações, mas ver tudo o que acontece no mundo, especialmente no Brasil, a incapacidade de lider com tudo isso, a quantidade de mortes, tudo isso machuca muito. Dá uma sensação de impotência, ver tantos absurdos acontecendo e não poder fazer nada para mudar. É um momento difícil, não vejo a hora disso tudo passar para que as pessoas possam voltar para suas vidas normalmente. É muito difícil.

 

 

– Se você pudesse escolher um desses grandes compositores de trilhas sonoras de novelas clássicas para colaborar, quem você recrutaria?

Se fosse pra escolher um dentro de uma infinidade de arranjadores que a gente tinha aqui no Brasil, com talentos incríveis, talvez eu escolhesse o Waltel Branco. Porque ele tem trabalhos memoráveis, arregimentou bandas incríveis, junto com músicos de uma capacidade enorme. Essas trilhas são cultuadas no mundo todo, a ideia era fazer um disco que também chamasse a atenção para os DJs. As músicas têm todas uma espécie de espaços que parecem convites ao sampler. O Waltel Branco fez isso com maestria. Eu escolheria ele.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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