O galês mais sul-americano do mundo

 

 

Carwyn Ellis & Rio 18 – Mas

Gênero: Pop alternativo

Duração: 37:12 min.
Faixas: 11
Produção: Kassin e Shawn Lee
Gravadora: Banana & Louie Records

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Vamos com calma para você não se perder. Carwyn Ellis é guitarrista que excursiona com os Pretenders já faz algum tempo. Também tem uma banda em paralelo, a simpática Colorama, que faz um indie rock bonitinho e harmonioso. Mas este galês é inquieto e tem paixões musicais pouco ortodoxas, como, por exemplo, Baden Powell e Quarteto em Cy. Ellis esteve no Brasil em 2018, quando os Pretenders vieram abrir os shows de Phil Collins por aqui e ele conheceu o pessoal do +2, a saber, Kassin, Domenico Lancelotti e Moreno Veloso, que o apresentaram a um mundo mágico de cantores, cantoras e bandas brasileiras, os quais Carwyn nem supunha existir. A partir da amizade e afinidade, especialmente com Kassin, surgiu o convite dele vir ao Rio para gravar algumas canções e daí nasceu “Joia”, o primeiro disco da recém-nascida banda Rio 18, formada por Ellis e alguns destes músicos brasileiros, com produção de Kassin e Shawn Lee. Agora, três anos depois, ele repete o time e está de volta com mais um álbum, este absoluto “Mas”, no qual expande a viagem pela América do Sul, chegando a outros países, ritmos e referências. O resultado é impressionante e sensacional.

 

Ellis é um cara “open minded” como gostam dizer os gringos, ou seja, é aquele misto de cuca-fresca com mente aberta, o que, em termos musicais, significa um artista aberto para absorver informações e torná-las referência em seu trabalho e o caso é que este “Mas” se mostra absolutamente adorável. É sempre legal ver o que artistas estrangeiros entendem como sendo a música de um lugar que não é o deles e, no caso da música latino-americana, a multiplicidade de ritmos e culturas envolvidas é imensa. O Rio 18 percorre então um caminho que mistura Bossa Nova estilizada, Cumbia, Tropicalismo e várias impressões e versões destas matrizes, gerando um resultado que é inebriante. Para coroar tudo, Ellis canta em galês, conferindo uma tonalidade exótica ao já exótico som que sai das caixinhas de som. O País de Gales tem uma longa tradição de bons músicos, que tem, entre muitos, Tom Jones, Gruff Rhys e os Manic Street Preachers, todos unidos por obras bacanas e muito talento, sendo assim, não é surpreendente que Carwyn Ellis se saia tão bem neste terreno sul-americano.

 

Não se engane e pense que “Mas” é um disco engraçadinho. Pelo contrário, por trás dessa fofura sonora, há detalhes mais sérios e temas que mostram que Ellis e sua turma também têm o que dizer. Ecologia, pobreza, degradação humana e decadência estão entre os assuntos que são abordados ao longo das 11 faixas, sempre com o cuidado de não contaminar a parte musical com algum elemento de rispidez, o que, em última análise, confere uma nova camada de exotismo ao resultado final e ao tom do álbum. O single “Ar Õl Y Glaw” (“After the Rain”), que abre o disco, foi escrito após o assassinato de George Floyd. Envolvido em texturas modernistas de samba-jazz, sua mensagem vai ficando mais entristecida à medida que a canção vai chegando ao fim. “Cwcan” (“Cooking”) tem seu ponto de partida no clássico de Tito Puente, “Oye Como Va”, do qual pega emprestado o clima percussivo e a aura de latinidad estilizada, que acaba funcionando bem no contexto do disco.

 

Com a participação da cantora brasileira Nina Miranda e das vocalistas da cidade de Caernarfon, Elan e Marged Rhys, para os backings, os arranjos vão sendo acrescidos de uma aura bossanovista dos anos 1960, algo que também faz sentido por aqui. Um bom exemplo disso surge em “Lawr Yn Y Ddinas Fawr”. Em “Golau Glas” há uma citação rítmica explícita a “Upa Neguinho”, imortalizada por Elis Regina. Já com “Dwyn Dwr”, Ellis e seus companheiros misturam ares de bolero setentista com alguma levada mais fluida, que poderia ser de um eco de disco music captado numa antena com palha de aço na extremidade e voltada ao acaso para o céu. Também tem “Cynara”, em homenagem explícita à integrante do Quarteto em Cy, Cynara. Mesmo em galês, é possível entender “afro-sambas” e “Salvador de Bahia”, mencionando algumas referências musicais que são importantes para Ellis.

 

“Mas” é mais que um caleidoscópio musical, é também uma prova de como as fronteiras e influências estão tênues hoje em dia e tal fato está dando espaço para novas e inéditas misturebas sonoras, verdadeiros mutantes estéticos que, quando dão certo, são praticamente perfeitos. Ouça já.

 

Ouça primeiro: “Cynara”, “Dwyn Dwr”, “Ar Õl Y Glaw”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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