O disco póstumo de Beni Borja
Beni Borja – No Meio do Caminho
Gênero: Pop, Rock
Duração: 40 min.
Faixas: 10
Produção: Beni Borja
Gravadora: Independente
A morte precoce de Beni Borja alguns dias antes do Natal de 2021, pegou todos de surpresa. Primeiro baterista do Kid Abelha, produtor e sujeito com trânsito considerável na indústria musical, Carlos Beni Borja era um boa praça típico que ficava por trás dos palcos e dentro de estúdios. Só que ele não se limitava a atuar como empresário ou mero piloto criador de discos – produziu Farofa Carioca, Leoni, Biquini Cavadão, Cris Braun, Picassos Falsos – Beni gostava de compor e assinou com seus produzidos várias parcerias. Por conta disso, não é de se espantar que este disco póstumo seja lançado com dez composições autorais do sujeito, com ele cantando e tocando guitarras base e violões, secundado por uma banda de approach pop rock. As canções são emblemáticas da escola da qual Beni é originário, o rock brasileiro dos anos 1980, com influências e tiques e taques próprios. A voz dele não é a de um cantor formal, mas álbuns como este “No Meio do Caminho” permitem alargamentos da noção de vocalista, com Beni soando às vezes como um meio termo entre Erasmo Carlos e Frejat. Mas, o que há de bom neste trabalho? Vejamos.
Beni vinha trabalhando há cerca de uma década no projeto de lançar um álbum autoral. A ideia era refazer este caminho com o palco, o qual, repito, ele gostava de ver e não de subir. Sujeito das engrenagens de estúdio, Beni foi um facilitador para seus parceiros, mas acabou emperrando quando a hora era de viabilizar suas próprias criações individuais. Para destrinchar os nós, ele recebeu a ajuda de Rian Batista, responsável pelo baixo da banda cearense Cidadão Instigado, que ofereceu caminhos e alternativas para o projeto, além de integrar a banda de apoio das canções. Com ele o disco, de fato, aconteceu. As letras e melodias que Beni criou e que estão presentes nestes quarenta minutos de audição, são lineares e evocam alguns detalhes interessantes, mas não dá pra dizer que estamos diante de dez sucessos pop para o rádio, pelo contrário. Beni preferiu fazer um trabalho introspectivo e que lhe permitisse falar de várias questões existenciais e sociais do país. Às vezes funciona, noutras não.
Beni se sai melhor quando o assunto é investigar sentimentos e o que vai pelo coração. Em “Perguntas”, com uma levada simpática e linear, ele vai enumerando fatos, detalhes e características contraditórias que justificam o amor existir nos cenários menos prováveis. Um bom refrão carrega a melodia e tudo funciona. Os questionamentos, digamos, existenciais, também são interessantes. Ele vai bem em “Entre Na Fila”, que tem uma levada rapidinha e simpática, enquanto “Cacarecos” mapeia algum sentido na vida consumista do século 21. Aliás, o consumo desenfreado e levado como modo de vida nos tempos de hoje também é assunto em “Sentidos do Verbo Ser”, que fala sobre verdadeira natureza humana, o que somos em essência, não o que mostramos, por exemplo, em redes sociais. “Estrela do Norte” também é interessante por falar dos fluxos de ida para o exterior como um meio de justificar o sustento e a vida lá fora, algo que seria traduzido no verso “Cruzei o oceano para me ver no espelho”. E a faixa-título, que tem alguma conexão com as composições e gravações recentes de Erasmo Carlos, é bela.
O disco derrapa quando fala de política em “Tanto Bandido”, com uma letra que usa do temível recurso de dizer que há bandidos em números iguais, seja em regiões ricas, seja em regiões pobres, numa abordagem meio juvenil e contraditória em relação à forma como o disco trata de questões mais sérias. Em “Matemática”, num arranjo mais sutil e introspectivo, a melodia é sacrificada em nome de versos e o resultado não funciona bem. “Mergulho” também não vai muito bem em sua mensagem de força diante das agruras da vida, mas a intenção é interessante. E a abertura com “A Chave”, que tem versos existenciais e bacanas, não vai tão bem na junção com a melodia.
“No Meio do Caminho” tornou-se disco póstumo, mas ele mostra um artista que o planejou e arquitetou com calma e precisão. Seus temas são louváveis, sua execução esbarra algumas vezes esbarra em detalhes, mas o destino o tornou uma declaração final de quem estava muito disposto a continuar nesta vida em cima do palco. Fica o registro e o interesse.
Ouça primeiro: “Perguntas”, “No Meio do Caminho”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.