“Arrastados”, de Daniela Arbex: – diga o nome deles
Daniela Arbex faz da sua escrita missão bonita de construir memórias em um país que normaliza o horror. Em seu quinto e recém-lançado livro, “Arrastados”, ela dá escuta, nome e humanidade às 273 pessoas que morreram e aos sobreviventes devastados pela maior tragédia humanitária da história brasileira, o rompimento da barragem B.1 na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais.
A autora sentiu que precisava reconstruir a dignidade das vítimas do dia 25 de janeiro de 2019 quando amigas da engenheira Izabela Barroso Câmara Pinto, supervisora do setor de produção da Vale e desaparecida no soterramento, pediram sua ajuda para encontrá-la.
Pelas coincidências impostas a nós, brasileiros a sobreviver em um país que não nos poupa de suas desgraças, Daniela recebeu a mensagem dos amores de Bela quando ia para Santa Maria cumprir um compromisso firmado com os familiares das vítimas do incêndio da Boate Kiss, a quem ela deu acolhimento a partir de seu terceiro livro Todo dia a mesma noite.
A saída de casa nas primeiras horas da manhã, a vaquinha para comprar o pastel no caminho para o trabalho, o cheiro do pão caseiro e do café quentinho: a banalidade da rotina atropelada pela força descomunal da onda de rejeitos que não deixou que aquela sexta-feira fosse apenas o começo de mais um fim de semana para Izabela e tantos de seus colegas e amigos, é mostrada com a humanidade que existia por trás do cenário desolador causado novamente pela negligência, pela opção pelo mais barato e mais inseguro, enfim, pelo esperar que o pior não aconteça em nome do dinheiro, da vantagem.
Mas o pior aconteceu e não pode ser colocado na interminável lista de tragédias brasileiras até que a próxima indignação momentânea tome conta de nossas redes sociais. Daniela entende que ao lado de cada vida perdida que os jornais transformam em meras estatísticas há uma família, um amor, uma viagem inesquecível, uma batalha diária.
Batalhas que Paloma Prates Máximo, de 25 anos e seu marido Robson Máximo Gonçalves não tiveram medo de enfrentar ao se casarem jovens e terem o pequeno Heitor Prates Máximo da Cunha. As que Paloma encara agora, num presente sem a sua família, sem ao menos ter ouvido seu bebê de apenas um ano aprender a chamá-la de mãe
A viagem que Helena Taliberti fez à Paris para encontrar a filha Camila Taliberti Ribeiro da Silva. O tempo que o irmão da Camila, Luiz Alberto, passou na Austrália. Viagens das quais Helena se lembra agora, desabrigada do amor dos filhos, cuja alegria se perdeu no mar de lama que destruiu o último passeio em família.
O amor e a fé inabalável do pai de Juliana Creizimar de Resende Silva, Geraldo Resende, que por mais de dois anos não desistiu de dar à sua amada filha uma despedida digna, e agora faz de tudo para que os netos gêmeos Geraldo e Antônio se sintam protegidos por ele, pela avó Ambrosina e pelo carinho da mãe e do pai Dennis Augusto da Silva, também morto naquela manhã desumana.
Juliana era uma das vítimas chamadas de joias pelos bombeiros, as que continuam desaparecidas depois de mais de três anos do desastre. Seu corpo foi encontrado no dia 24 de agosto de 2021, em plena pandemia e em mais uma demonstração do trabalho incansável do Corpo de Bombeiros e do IML de Minas Gerais.
Até a finalização do livro ainda não haviam sido encontrados :Cristiane Antunes Campos, Lecilda de Oliveira, Luis Felipe Alves, Maria de Lurdes Costa Bueno, Nathália de Oliveira Porto Araújo, Olímpio Gomes Pinto e Tiago Tadeus Mendes Silva.
Eles não eram, não são apenas um número.
Mulheres, homens, pais, mães, filhas, avós, avôs, filhos: joias, no sentido mais bonito, carinhoso e generoso da palavra, seus nomes e histórias mostram que tragédias que dizimam o nosso povo só deixarão de acontecer quando entendermos que a maior riqueza desse país somos nós, não indústrias que só nos veem como fonte de lucro.
Que da missão da Daniela Arbex a gente faça a nossa própria, por um Brasil mais digno. Seus livros são essenciais para essa batalha.
Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.
Olá tudo bem? Espero que sim 🙂
Adorei seu artigo,muito bom mesmo!
Abraços e continue assim.
Que texto, minha amiga! Parabéns!!! Admiro demais o trabalho da Daniela que conheci ainda na faculdade de Psicologia com o grandioso trabalho exposto no Holocausto Brasileiro! E Débora, minha amiga, meu presente, minha joia!
Ótima resenha.
Quero ler a obra, apesar da dor que deve causar.
Obrigada pela belíssima resenha. Me dá forças pra seguir.
Daniela, que honra sua resposta. Obrigado!