O Discaço do Supla de 1991

 

 

Há alguns meses dei de cara com um anúncio do Doritos Buffalo Wings. Eu sou gordo, gosto dessas comilanças e me interessei. Já havia experimentado o sabor anterior: wasabi, verde atômico. Mas isso não importa. Quem aparecia na propaganda era ninguém menos que o Supla, cantando uma adaptação de sua então recém-lançada “Suplaego”, devidamente transformada em “It’s Buffalo Wings, Papito!”. A combinação foi tão perfeita e sensacional que isso aumentou a minha vontade de experimentar a guloseima e fiquei pensando em como o Supla é uma figura ímpar na música brasileira. Filho de políticos, bem nascido no seio da elite paulistana, logo transformado em garotão esclarecido e viajado. Eduardo Smith de Vasconcellos Suplicy deu as caras para o grande público em 1985, quando “Humanos” estourou nas rádios e TVs do país. Era o Tokyo, o grupo que ele já tinha há algum tempo e que já havia se chamado Metropolis.

 

 

Na época, a crítica musical não o levou a sério. O grupo foi taxado de “punk de boutique” e Supla logo assumiu um papel de “Billy Idol brasileiro”, por conta da semelhança de seu visual com o do roqueiro inglês. O primeiro disco do Tokyo, produzido por Luiz Carlos Maluly para a Epic/CBS era muito bem gravado e contava com excentricidades: a alemã Nina Hagen aparecia em “Garota de Berlim” – o outro sucesso do álbum, além de “Humanos” – e Cauby Peixoto, em “Romântica”, uma canção ótima que passou batida na época. Dois anos depois, o Tokyo voltava com “O Outro Lado”, seu segundo disco, ainda pela CBS, mas sem o guitarrista Eduardo Bid, que foi substituído por Conde. E o sucesso foi menor, com apenas “Metralhar e Não Morrer” sendo tocada aqui e ali. Pouco depois a banda acabou, mas Supla havia se transformado numa persona boa demais para desaparecer junto com a banda e uma carreira solo logo surgiu como opção lógica.

 

Sendo assim, em 1989, ele soltou o primeiro trabalho, homônimo, puxado por uma canção chamada “Motocicleta Endiabrada”. Ainda que o resultado não tenha sido muito bem sucedido, Supla estava no segundo Rock In Rio e ainda tinha lenha para queimar. Por conta deste show e deste potencial, a EMI o contratou para mais um álbum solo e o cantor e compositor paulistano quis fazer diferente. Recorreu a uma figura que despontava como produtor na época, ainda que poucos soubessem desta então nova faceta: João Barone. Ambos haviam ficado próximos ao longo dos anos 1980, nos inúmeros camarins de TV e shows que Paralamas do Sucesso e Tokyo haviam compartilhado. E Barone vinha de dois discos produzidos: a estreia de Fabio Fonseca, ex-Cinema a Dois e Brylho, que também seria produtor de Fernanda Abreu e Gabriel, o Pensador e o álbum de Ed Motta e Conexão Japeri, lançado em 1989 e que colocara o sobrinho de Tim Maia no showbiz nacional.

 

Barone topou assistir os ensaios que Supla estava conduzindo em São Paulo e lá se deparou com uma senhora banda de apoio: os irmãos Andria e Ivan Busic, respectivamente no baixo e bateria; e Eduardo Ardanuy nas guitarras. Ou seja, o trio que se chamaria Dr Sin logo após esta experiência de tocar com Supla neste que seria o segundo trabalho solo. Barone também gostou da safra de canções que Supla tinha nas mãos e topou assumir a produção. Com gravações realizadas em São Paulo, no estúdio do mitológico e ex-Joelho de Porco, Tico Terpins, o álbum foi ganhando corpo e fluindo facilmente. O entrosamento da banda era notável, Barone se divertia com as histórias compartilhadas por Supla e por Tico, que confessou ser fã dos Paralamas na época. E logo as composições apresentadas por Supla – que pareciam ótimas em demo – provaram ser potenciais hits radiofônicos na hora da finalização em estúdio.

 

Lançado no fim de 1991, o álbum teve sucesso relativo. “Encoleirado” foi o primeiro single, com uma levada entre o glam e o hard rock, com letra na medida do que era o Supla naquele tempo: o garotão gente boa que os caras invejam e que as meninas amam. Ali ele assumia uma persona mais malandra, reclamando da marcação cerrada da namorada na hora em que ele queria tomar chopp com os amigos. Mas Supla também trazia cartas na manga. “Break The Ice” é uma autêntica canção pós-punk com ótimas guitarras e uma linha de baixo impressionante, com direito a letra em inglês sobre as dificuldades num relacionamento amoroso mais sério. “Só Pensa Na Fama” é outro destaque, novamente entre o hard e o glam rock, mas, desta vez em forma de balada. Na época, em entrevista à revista Bizz, Supla disse que a canção tinha algo próximo de “Rocket Man”, de Elton John, o que é verdade.

 

Mas o idioma mais fluente do álbum é, de fato, o rock. E as faixas que estão neste âmbito são pura diversão: “Sai Para Lá Vudu” é catártica e tem modernidade no arranjo, com vocais que tangenciam o rap. “Menina de Família” tem o próprio Barone na bateria, participação de Virginie, vocalista do Metrô, e uma levada aerodinâmica cheia de riffs curtinhos e refrão para pular junto. Tem algo que lembra o que o grupo carioca Inimigos do Rei havia feito em termos de letras sacanas e boas levadas de rock. Além disso, duas excentricidades: “Figa de Marfim”, outro rockão, mas com a inusitada participação de um naipe de bateria da nascente escola de samba Gaviões da Fiel e uma cover reggae de “Você Não Entende Nada”, de Caetano Veloso, com citação de “Cotidiano”, de Chico Buarque, algo que a gente não espera ouvir num disco do Supla.

 

A verdade é que este segundo trabalho solo marcou um movimento audacioso por parte de Supla. Ele queria fazer algo diferente do que fizera até então, procurando investir numa sonoridade mais pesada e autêntica, algo que também transpareceu em sua imagem, sendo o primeiro – e único – momento em que ele apareceu sem cabelos tingidos em capa de disco e clipe de divulgação. “Encoleirado” teve boa rotação na MTV Brasil, sendo um dos primeiros exemplares nacionais a rodar na programação da emissora. Mas foi pouco. Depois dele, Supla ainda participou do disco da Psycho 69 e só lançaria novo trabalho em 2001, “Charada Brasileiro”, já encarnando o personagem que remetia aos primeiros anos de carreira e especialmente turbinado por aparições involuntárias do clipe de sua canção “Green Hair” no programa Piores Clipes do Mundo. Mas aí já estamos falando de outros assuntos.

 

O disco de 1991 do Supla permanece como um senhor trabalho de rock moleque, bem tocado, bem produzido e surpreendente. Merece ser ouvido. E amado.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *