Noel Gallagher desmascarado
Você já deve saber: Noel Gallagher disse ontem, no The Matt Morgan Podcast, que é contra o uso da máscara em meio à pandemia do covid-19. A frase, ipsis litteris é essa aqui:
“It’s not a law. There’s too many fucking liberties being taken away from us now … I choose not to wear one. If I get the virus it’s on me, it’s not on anyone else … it’s a piss-take. There’s no need for it … They’re pointless.”
“Não é uma lei. Há tantas liberdades sendo tiradas de nós agora, eu escolho não usar a máscara. Se eu tenho o vírus, ele está em mim, não em outra pessoa. Não tem necessidade disso, não faz sentido”.
Esse comportamento do ex-Oasis te causou surpresa? Não deveria. Noel, apesar de talentoso como guitarrista e compositor, nunca foi um oásis – trocadilho detectado – de empatia e posturas progressistas. Porque, gente, usar máscara hoje é como levar consigo um atestado de bons antecedentes, declarar sua visão de mundo e pensar no próximo. Se você é uma pessoa que não usa a máscara e ainda procura justificar o seu descuido consigo e com o semelhante, você é, sim, um babaca. Especialmente se você é um dos músicos mais bem sucedidos do Reino Unido e vem falar que tem suas liberdades cerceadas. Noel, me ajuda a te ajudar.
Engraçado que muita gente que julga que Liam Gallagher, o irmão mais novo de Noel, seja um fanfarrão. Essas pessoas deveriam prestar mais atenção. Liam é um boa praça inegável, tuíta sobre o Manchester City acima de tudo, mas, quando a pandemia estourou no Reino Unido, foi ele que enalteceu o NHS, o serviço de saúde pública britânica, inclusive se dispondo a reativar o Oasis para um show beneficente. Noel disse não. Em suas carreiras pós-Oasis, Liam vem dado um pau em Noel desde que largou o Beady Eye e assumiu-se como artista. Seus dois discos, “As You Were” (2017) e “Why Me? Why Not” (2019), além do “MTV Unplugged”, lançado neste ano, são muito melhores que os trabalhos recentes de Noel à frente da banda High-Flying Birds, experimentais demais, como se fosse uma espécie de teimosia recorrer às origens comuns aos irmãos. Os primeiros discos da banda eram melhores.
Voltando ao caso da máscara.
Todos os dias vemos gente péssima não usando máscara e justificando com essa argumentação lamentável de cerceamento de liberdades. É a mesma gente que fica passiva diante das queimadas no Pantanal e na Amazônia. Que não se mobiliza para nada de útil, nada de coletivo, nada que pense não só nos próprios botões. Se a pessoa que não usa máscara é o tio do bar, o jornaleiro ou um idiota que tem um chilique numa sorveteria em Campinas/SP e se faz de macho porque era uma mulher atrás do balcão, tudo bem.
Mas se você é um músico que influencia as pessoas, desculpa, não dá.
Foi como escreveu Matthew Caws, vocalista e guitarrista da banda americana Nada Surf, relembrando uma entrevista que fez com Noel lá nos anos 1990: “ele me pareceu um cara ótimo, pé no chão, centrado. Agora, a partir do momento que você influencia milhões com sua música, sua arte, cara – referindo-se ainda a Noel – você não pode fazer isso”.
Não por acaso, o Nada Surf lançou um disco maravilhoso no início de 2020, “Never Not Together”, cujo eixo temático gira em torno do … amor entre as pessoas.
Noel Gallagher, desmascarado.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Noel mudou muito de meados dos anos 2000 pra cá, ele assumiu uma postura de “tiozinho conservador milionario” e se trancou numa bolha social, que o impede de ter noção da realidade. Muito triste, era um cara lúcido e pés no chão mesmo, mas já tem alguns anos que ele mostra essa postura equivocada…
Pois é, Thais, o cara já teve melhores momentos. Hoje em dia o Liam dá um cacete nele, musical e politicamente.
Obrigado pelo comentário!