O Carnaval ao vivo pra quem não vê TV

 

 

Eu não vejo TV há bastante tempo. Tenho um aparelho moderno em casa, do tipo SmarTV, que é capaz de exibir programações de plataformas de streaming e do Youtube. Não assino mais nada além disso, mas, neste fim de semana, excepcionalmente, decidi revitalizar minha conta na Globo.com para poder instalar o Globoplay na TV e poder dar uma olhada no desfile de escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Já deve ter quase 20 anos que não vejo os desfiles ao vivo e não sinto falta. Mas, dessa vez, com uma namorada que é artista plástica e já foi jurada do carnaval de São Paulo por algumas ocasiões, até que foi uma boa pedida. A instalação foi fácil, a conexão estava boa e, voilá, fomos tentar ver. Digo “tentar” porque a gente chega no fim do dia bem cansado, já não temos mais o pique de outrora, enfim, a expectativa não era de varar a madrugada vendo as escolas. No primeiro dia vimos três, no segundo, duas. E pronto.

 

Mas o que me chamou a atenção foram os intervalos comerciais e a transmissão da TV Globo. Repito, para quem não vê mais a programação da emissora, a reação é de choque absoluto por conta de várias mudanças. Os artistas, ídolos, galãs, mocinhas, enfim, todos esses nomes do imaginário televisivo mudaram. Posso dizer que ainda conheço um total de 5% de personalidades televisivas. Ary Fontoura, por exemplo, apareceu num camarote aleatório, dizendo que estava curtindo o carnaval. Mas ele foi o único que reconheci. O pessoal mais jovem, desconheço totalmente. Houve uma chamada para a reportagem de Mariana Gross, direto da pista da Sapucaí, na qual ela entrevistou o tal de Pedro Scooby, que é um dos participantes do BBB atual. Ou era, sei lá. Eu não entendi uma só palavra do que ele disse à repórter e nem foi porque o som estava alto, parecia um outro dialeto. Fora isso, de não reconhecer as pessoas ou só reconhecer as mais velhas, a cobertura do desfile segue o mesmo tom entre o constrangimento total e a comédia involuntária. Eu reconheci as mesmas entrevistas de mil anos atrás, quando repórteres se passando por muito felizes, entrevistam os foliões na avenida ou na arquibancada, perguntando qual a emoção de estar desfilando ou pedindo para que explique qual a história da fantasia que está usando. É riso involuntário na certa.

 

Os responsáveis pela transmissão também mudaram. Eu sou do tempo em que a Fátima Bernardes, Patrícia Poeta ou mesmo o finado Fernando Vanucci eram os responsáveis, mas não cheguei a estranhar a presença de Alex Escobar e Maria Julia Coutinho, a Maju. Escobar é o homem do entretenimento global e tem a aura carioca de camaradagem bem acentuada. Brinca com sua careca, com a torcida pelo simpático América do Rio e conduz tudo com muita simpatia. Maju, que parecia estar debutando na função, foi bem. Irritava apenas na hora de falar deste ou daquele destaque que passava, fingindo uma intimidade que, sabemos bem, é inexistente. Além deles, o sensacional Milton Cunha segue como o ponto alto da transmissão, aliando carisma e conhecimento sobre os enredos, a dinâmica do próprio desfile e as histórias das escolas. Na medida. Sobra, então, o Pretinho da Serrinha. Alguém poderia dizer quem é Pretinho da Serrinha para estar naquela função? O cara ocupa a posição que já teve Paulinho da Viola, Leci Brandão, entre outros e não conseguiu – eu não vi – emitir um comentário que nao fosse elitista, seja pelo suposto conhecimento – “a bateria tal, da escola X, tem um surdo de terceira, que abre uma paradinha no tarol de segunda, que gera um efeito Y no setor Z” – ou arrotaram coisas como “saí daquele desfile, liguei para a Marisa Monte e compusemos um samba para a Portela” ou ainda “fulaninho tá muito famoso, encontro com ele em Los Angeles o tempo todo”. Vai ver que o cara é sensacional e só eu não sei…

 

E, bem, tem também os intervalos. Nem falo pelos reclames de marcas e produtos, porque o Youtube tristemente os exibe com frequência, mas falo das outras atrações globais, as quais não vejo e me causaram urticária só em ver as chamadas curtinhas. Por exemplo, The Masked Singer Brasil. Em menos de um minuto, apareceram sujeitos fantasiados como lagarto, dragão e leoa. No curto espaço do tempo, clássicos do cancioneiro nacional e mundial surgiram sendo trucidados – “Sangrando”, de Gonzaguinha, foi uma delas, interpretada, acho eu, pelo dragão. Em meio às interpretações, Tatá Verneck e Ivette Sangalo apareceram, e jurados que eu não consegui reconhecer, surgiam aplaudindo de pé. Não sei quem, não sei o quê.

 

Sei bem que estes textos de gente que não conhece o que todos parecem conhecer são chatos e, quase sempre, querem arrotar uma intelectualidade supostamente superior. Não é o caso aqui. A sensação que tive foi de estar em coma por muito tempo e, depois de consciente, topar com um mundo novo – e tristemente pior. Porque tudo é muito rápido, muito superficial, muito pautado pelo mínimo, pelo pouco, pela prevalência do que importa – ou deveria importar – pouco. Agora que recuperei o prazer de acompanhar jogos de futebol com a narração do rádio, ver programação de TV só quando for absolutamente necessário. Socorro.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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