Mais um sinistro da saúde

 

 

O Brasil tem um novo ministro da Saúde. marcelo queiroga, cardiologista, supostamente renomado e até presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Já estamos bem escolados sobre ministros da Saúde, certo? Ele é o quarto a ocupar a pasta em menos de um ano, o que indica que o governo brasileiro não tem qualquer capacidade de lidar com a pandemia de covid-19 e o responsável por isso é o ocupante da presidência. A função de ministro, que deveria ser a de encarregado máximo do assunto no país, é mera decoração. Quem decide é o ocupante. Quem topa ser ministro já é advertido sobre isso de cara. É cláusula do contrato. Quem assina sabe que vai ser assim. E queiroga foi consultor de campanha de bolsonaro, já sabe como funcionam as coisas por lá. Aceitou mesmo assim.

 

Mandetta, o primeiro da fila, viu que a política do governo era desastrosa. Mesmo sendo um médico de formação, também era deputado federal conservador, com histórico de voto favorável ao impeachment sem crime de Dilma Rousseff. Fez o que pode e quando viu que não conseguiria lidar com o cenário caótico, saiu. Em seu lugar veio Nelson Teisch, oncologista bastante respeitado, que não durou um mês no cargo. Deve ter achado que teria independência, autonomia mínimas para trabalhar e fazer o que sabe fazer. Teve a falta de sorte de participar daquela fatídica reunião ministerial, na qual testemunhou de perto da bizarrice absoluta dos integrantes do governo. Pediu para sair, uma vez que não conseguiu atuar.

 

Depois dele, veio pazuello, que ficou meses como interino, sendo efetivado meses depois. Era um general burocrata, supostamente versado em logística, não que isso importe quando o assunto é lidar com a saúde. E com a saúde no meio da maior pandemia do século. Cometeu inúmeros absurdos, nomeeou militares para todas as funções possíveis, gente sem experiência e sem noção, o que gerou mais e mais erros e momentos de caos, como a crise do abastecimento de oxigênio em Manaus. Tal fato lhe rendeu inquérito no STF, o qual responde por omissão, correndo o risco de ser condenado a ressarcir os cofres públicos.

 

Agora surge o queiroga, que já leva o nosso tradicional tratamento com letra minúscula, como indicativo de caráter. E o motivo é bem simples: em sua primeira entrevista no cargo, ele, médico, relativizou a prescrição de medicamentos preventivos contra a covid-19 – a maldita cloroquina – e disse que o lockdown está descartado como política do país contra a doença. E confirmou a linha de ação do governo: “tem outros aspectos da economia para serem olhados”.

 

Isso nos leva ao primeiro parágrafo do texto. Entrar na pasta da Saúde nestes tempos de trevas é apenas executar a política do ocupante da presidência, que é, em última instância, a responsável pelas mais de 270 mil mortes, pela crise em Manaus e por toda essa situação de pesadelo na qual estamos vivendo. A culpa é dele. E o ministro que entra no governo não conseguirá uma linha de atuação voltada para os aspectos técnicos e médicos porque não poderá discordar dessas duas linhas-mestras:

 

– A cloroquina é mais importante que a vacina

– O lockdown está descartado, não importa quantas pessoas morram

 

Enquanto isso, seguimos sem uma política unificada de esclarecimento à população. Pelo contrário, temos o exato oposto, com as autoridades do governo minimizando o potencial mortal da doença de forma sucessiva.

 

Antes de escolher queiroga, o governo cogitou a médica Ludhmila Hajjar, que teve duas reuniões com o ocupante da presidência. Ela ouviu estes termos que queiroga ouviu e discordou veementemente. Recusou o convite. E foi terrivelmente ameaçada por pessoas, virtual e pessoalmente.

 

Abaixo está a entrevista que ela concedeu à globo news e que foi repercutida no jornal nacional. Entre outros pontos, ela previu que teremos 500 mil, 600 mil mortos.

 

 

“Sonhei com cada coordenação do Ministério da Saúde sendo liberada por pessoas técnicas da mais alta qualidade. Sonhei com um comitê de vacinas, sonhei com a criação de um gabinete de crise, funcionando 24 horas por dia para ajudar os prefeitos e governadores…Mas foi só um sonho.”

 

 

Vale a pena ver. E ter medo.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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