Blur, Pato Fu, Van Morrison, Fleet Foxes e Pete Townshend

 

 

Você lembra dos discos ao vivo? Aqueles documentos sonoros das turnês gigantescas de grandes artistas, ou aqueles atestados de vigor e explosão em cima do palco, talvez aquele registro íntimo e raro em algum momento especial. Discos ao vivo são próprios da música popular, mas, de uns tempos pra cá, seja pelo avanço das mídias digitais, ou pela facilidade de visualizar as apresentações, seja online, seja inloco, além da implosão da indústria musical, eles se tornaram mais raros. Sendo assim, é bacana quando vemos artistas preocupados em disponibilizar registros ao vivo. A diferença é que, hoje em dia, eles surgem apenas para marcar momentos realmente especiais. Quatro artistas que amamos lançaram álbuns ao vivo nos últimos dois meses e os registros são tão bacanas que chamaram a nossa atenção. É raro que façamos resenhas ou comentários mais detalhados deste tipo de lançamento, mas estes valem à pena. Blur, Pato Fu, Van Morrison, Fleet Foxes e Pete Townshend cada um a seu jeito, honra esta tradição.

 

 

O Blur apresenta o seu “Live At Wembley”, captado nas noites de 8 e 9 de julho do ano passado, quando se apresentou pela primeira vez no icônico estádio inglês. A ocasião marcava também a chegada do nono álbum do grupo, “Ballad Of Darren”, que marcou uma espécie de reconciliação do Blur com a criatividade e a relevância, visto que Damon Albarn, Alex James, Dave Rountree e Graham Coxon estavam devendo um trabalho à altura de seus melhores momentos nos anos 1990. O tom do álbum é celebratório e traz canções de todos os momentos da trajetória do Blur, do primeiro hit “There’s No Other Way” ao mais recente sucesso “The Narcissist”. Tem pinta de álbum ao vivo, uma vez que ninguém aqui parece interessado em reproduzir milimetricamente os detalhes das gravações ao vivo e isso faz toda a diferença. A voz de Albarn falseia em vários momentos e, em alguns deles, temos a impressão que o andamento vai pro espaço em favor da animação, caso específico da ótima “Tracy Jacks”, faixa originalmente lançada em “Parklike”, de 1994, que parece descompassada e atropelada, mas nada que não acrescente aquele tom de distinção que os álbuns ao vivo têm – ou deveriam ter. Além dela, ótimas versões suarentas de colossos como “Popscene”, “Beetlebum”, “To the End”, “Parklife”, “Song 2”, “This is a Low”, “Girls & Boys”, “Tender”, “Country House” e “The Universal”. 4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

O Pato Fu vem com seu “Rotorquestra de Liquidificafu”, álbum que registra um concerto da banda com a presença da Orquestra Ouro Preto, gravado ao vivo no Palácio das Artes, em 2022. Para uma banda que nunca se acomodou, a presença de arranjos de orquestra é algo que coroa a ousadia constante do Pato Fu. Os novos arranjos foram feitos por Paulo Malheiros. O álbum traz um repertório diversificado, desde os hits até as chamadas “deep cuts” dos treze álbuns da carreira do grupo. Entre elas, abrindo os trabalhos, “Rotomusic de Liquidificapum”, que se tornou uma viagem de sete minutos por um vários estilos musicais. Ao longo do álbum, canções como “Eu”, “Perdendo os Dentes”, “Ando Meio Desligado”, “Simplicidade”, “Canção Para Você Viver Mais”, “Água”, “Spoc” e “Made In Japan” integram o repertório. Ficaria completo e perfeito se “O Processo de Criação Vai de 10 a 100 mil”, “Um Ponto Oito”, “Capetão 66,6 FM”, a novíssima “Fique Onde Eu Possa Te Ver” e a versão de “Twiggy Twiggy” (original dos japoneses Pizzicato 5) estivessem presentes. Mas é diversão garantida. 4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

O lançamento de “Live At Orangefield”, de Van Morrison, já entra num terreno bem mais emocional. O concerto foi gravado em 2014 na antiga escola que ele frequentou em Belfast, mas só agora foi lançado, com notas de encarte do poeta Gerald Dawe, outro ex-aluno, falecido em maio deste ano. O show aconteceu a poucos quilômetros da sede do governo da Irlanda do Norte, e entre os convidados estavam personalidades locais como o ator James Nesbitt, o ex-piloto de Fórmula 1 Eddie Irvine e o escritor Brian Keenan. Alternando entre saxofone, piano, guitarra e harmônica, Van cantou versões emocionantes de clássicos como “Into the Mystic”, “Jack Wilson Said” e “Moondance”, chegando até à própria “Orangefield”, que ele lançou em 1989, no álbum “Avalon Sunset”. Além deles, uma cover brejeira de “That’s Life”, de Frank Sinatra – que, claro, ficou fabulosa. A caminho do fim do álbum, uma versão maravilhosa de “Real Real Gone”, com citação de Sam Cooke e emendada num de seus grandes sucessos, You Send Me”. Por fim, uma releitura linda de “Ballerina” e uma surpreendente aparição de “In The Garden”, belíssima faixa do álbum “No Guru, No Method, No Teacher”, de 1986. Um Van pouquíssimo obvio para celebrar algo tão importante. 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

“Live On Boston Harbor”, do Fleet Foxes, é um desses discos que trazem a íntegra de shows com o objetivo de marcar uma turnê específica. No caso do grupo de Seattle, a tal turnê foi a “Shore Tour”, que divulgou o álbum de mesmo nome, lançado em 2021. Este show específico, feito em 10 de agosto de 2022, foi disponibilizado pela banda em setembro daquele ano nas redes sociais e mostra o quanto o Fleet Foxes se desenvolveu numa espécie de porta-voz de uma tradição folk rock mercurial que remonta a gente como Neil Young ao mesmo tempo em que renova e oxigena o estilo, exatamente como uma banda de sua geração, ao lado de The Decemberists e Band Of Horses. A íntegra da apresentação está aqui, em três LPs, mostrando o repertório do grupo desde o início, enfatizando bastante as canções de “Shore”, que, por si só, é um belíssimo disco (foi o nosso preferido internacional de 2020). Canções como “Can I Believe You”, “For One Week Or Two”, e a maravilhosa “Sunblind” convivem com belezuras já mais maduras como “Mykonos”, “White Winter Hymnal”, “Montezuma” ou “Blue Ridge Mountain”, tudo dentro do mesmo contexto. Robin Pecknold, cérebro do FF, é um cara que ainda acredita no poder dos shows e em seu registro em disco. Indicadíssimo para quem também pensa desse jeito. 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Pete Townshend dispensa apresentações e comentários. Além de sua presença nas guitarras do The Who ao longo de quase seis décadas, Pete construiu uma carreira solo respeitabilíssima, especialmente ativa quando sua banda principal estava em hibernação. Ele tem álbuns sensacionais como “Who Came First” (1972), “Empty Glass” (1980), “All The Best Cowboys Have Chinese Eyes” (1981) e “White City” (1985), que, por si só, já garantiriam repertório forte o bastante para qualquer show. Só que Pete é um gênio enlouquecido, que insere trechos inteiros de suas óperas-rock, canções douradas do Who e até covers de clássicos do r&b atemporal em suas apresentações. Essa caixona “Live In Concert 1985-2001” traz apresentações ao vivo que ele chegou a disponibilizar online em seu site e que foram vendidas em CD por pouquíssimo espaço de tempo, estando todas elas fora de catálogo. Há apresentações de 1985, feitas na extinta Brixton Academy, que pertenceram à turnê de divulgação do álbum “White City”, com destaque para o arrasa-quarteirão “Face The Face” executado ao vivo com uma mega-banda de apoio. Além delas, shows na Brooklyn Academy Of Music em 1993 mostram um Pete mais experimental, com repertório indo de Mahler a ele mesmo, citando “Baba O’Riley” e “English Boy”, além de versões acústicas de “The Kids Are Alright”, “Eminence Front” e a preferida pessoal da casa, “You Better You Bet”, num arranjo muito fiel ao original. São shows únicos, clássicos, marcantes, que documentam um gigante no palco, imprevisível, inclassificável, um dos últimos grandes gênios do rock ainda em atividade. 4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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