A Polícia que a gente gosta e respeita
Não sei se existe banda ou artista na música pop com uma discografia mais elegante. Cinco álbuns, todos excelentes, cada um a seu jeito. Este é o portfólio do The Police, uma das mais influentes formações de todos os tempos, uma banda que durou apenas o tempo necessário, não virou paródia de si mesma, não ficou decadente, pelo contrário. Em 1983, quando lançou seu último álbum, “Synchronicity”, o Police estava no auge, ou melhor, em ascensão. Fico imaginando o que viria depois, visto que o “reggae de branco” que o grupo praticava ganhava contornos existenciais e incorporava elementos eletrônicos no estúdio, cortesia de três gênios da canção: Sting, Andy Summers e Stewart Copeland. Dá pra dizer que Sting e Copeland se detestavam, mas coexistiam no grupo, com Summers, mais velho e pragmático, mantendo os dois – ou tentando mantê-los – no trabalho e na criação. Explica-se: as brigas de Sting e Copeland eram por controle criativo e reconhecimento dos méritos como “líder da banda”, algo que ambos clamavam para si. Com vários episódios de ofensas e agressões reais, ambos aguentaram menos de dez anos juntos, com o grupo encerrando suas atividades em 1984, após os concertos da turnê de “Synchronicity”, que fora lançado no ano anterior. Depois disso, uma coletânea em 1986, na qual regravaram um dos sucessos da carreira – “Don’t Stand So Close To Me” – e um retorno aos palcos em 2008, quando vieram ao Brasil, repetindo a visita que fizeram em 1982. E só.
Só? Longe disso. Como dissemos, a obra do Police é imensa em seus cinco álbuns de canções originais. Influenciaram muita gente e sintetizaram eles mesmos influências distintas, como o two tone inglês e o reggae jamaicano, sob uma ótica minimalista e muito original. E estamos falando do Police porque seu já mencionado último álbum, “Synchronicity”, receberá um tratamento de luxo ao ser relançado em versão sêxtupla. Segundo consta, o trabalho de restauração e coleta das faixas (mais de cinquenta inéditas no total) durou três anos e teve o sinal verde dos ex-integrantes. O resultado é impressionante e merecidíssimo, uma vez que o álbum, que vendeu mais de 15 milhões de cópias em seu tempo, é, de fato, próximo da perfeição. Rendeu cinco singles nas paradas mundiais, arrombou a festa nos Estados Unidos e uma de suas canções, “Every Breath You Take”, sozinha, tem mais de dois bilhões de audições no Spotify. Ou seja, estamos falando de um vencedor, raro caso de sucesso impressionante de vendas e crítica.
E o que teremos nesta edição?
O CD1 apresenta o álbum original, incluindo a faixa “Murder By Numbers”, totalmente remasterizado a partir das fitas originais de masterização.
O CD2 reúne 18 faixas com todos os lados B originais de singles de 7” e 12”, além de 11 faixas bônus exclusivas, inéditas em CD.
Os CD3 e CD4 contêm versões alternativas inéditas de todas as canções de “Synchronicity”.
O CD4 também inclui canções inéditas do grupo, entre elas uma versão inicial da faixa “Goodbye Tomorrow” de Andy Summers (posteriormente renomeada para “Someone To Talk To”); uma demo da canção “I’m Blind”, composta por Stewart Copeland, que ressurgiu como “Brothers on Wheels” na trilha sonora aclamada de Francis Ford Coppola para “Rumble Fish”; um primeiro take inédito de “Truth Hits Everybody” (originalmente do álbum de estreia de 1978, “Outlandos d’Amour”); e raras versões cover de “Three Steps To Heaven” de Eddie Cochran e “Rock and Roll Music” de Chuck Berry.
Os CD5 e CD6 apresentam 19 gravações ao vivo – todas inéditas – gravadas em 10 de setembro de 1983 no Oakland-Alameda Coliseum, EUA.
A sonoridade de “Synchronicity” mostra que o Police estava em mutação. Se os trabalhos anteriores, “Outlandos d’Amour” (1978), “Reggata de Blanc” (1979), “Zenyatta Mondatta” (1980) e “Ghost In The Machine” (1981) traziam quantidades consideráveis de timbres e acentos próximos do reggae – ou do que o grupo entendia como tal – dá pra dizer que o novo álbum enveredava por algo ainda mais original, ainda que soasse mais, digamos, pop. Tal fato se devia, mais que tudo, à incorporação de sons de sintetizadores, bem como de influências do que viria a ser chamado de “world music”. Canções como “Synchronicity I” ou “Walking In Your Footsteps” provam estas duas novas influências e apenas com estas novas adições sonoras seria possível para o Police compor e gravar algo como “Tea In The Sahara”, talvez a grande obra-prima oculta do álbum, verdadeiro milagre da estética “menos é mais”, que faz os sons produzidos pelo grupo poderosos e esparsos ao mesmo tempo.
As canções são um caso à parte. Enquanto há coisas obscuras, como “Mother”, composta e cantada por Andy Summers, e a adorável “Miss Gradenko”, de Stewart Copeland, temos verdadeiros arrasa-quarteirão da lavra de Sting. Além das já mencionadas “Synchronicity I”, “Walking In Your Footsteps”, “Every Breath You Take” e “Tea In The Sahara”, há muito mais para ouvir. “Synchronicity II”, que, por muitos anos, foi minha canção preferida da banda, é um colosso de paisagens cotidianas e surreais, entrelaçadas por um arranjo rock moderníssimo para a época, sem solo de nenhum instrumento, pesado e harmonioso ao mesmo tempo. “King Of Pain” é outra canção imensa, delicada e agressiva ao mesmo tempo, ocultando sua mágica sob um arranjo criativo e intrincado, que não abre mão do lado pop. E “Wrapped Around Your Finger”, uma “não-balada”, que tem timbres impressionantes e atemporais. Sem falar na faixa-bônus, que só saiu nas versões cassete e CD, “Murder By Numbers”, com inflexões jazzísticas, que mostram o caminho que Sting tomaria depois, quando lançaria seu álbum solo “The Dream Of Blue Turtles”.
Baseado no livro “As Raízes da Coincidência”, do escritor húngaro Arthur Koestler, sobre interações de fenômenos paranormais e leis da Física, “Synchronicity” também deve muito de seu conceito às pesquisas do psicólogo alemão Carl Jung. O álbum anterior, “Ghost In The Machine”, também teve influência da leitura de Koestler por Sting, trazendo, inclusive o título de um de seus livros.
“Synchronicity” é um desses discos perfeitos e atemporais. Quando comecei a ouvir música mais a sério, lá pelos doze, treze anos de idade, The Police era, junto ao Queen e aos Rolling Stones, a maior banda em atividade no planeta. Se sua obra é imensa e cheia de significados, sem discos ruins ou pontos fracos, dá pra dizer que este último álbum é seu ápice. Seja em versão simples ou sêxtupla, ele é um dos grandes momentos do rock em todos os tempos.
Track list 6CD box set
CD 1
Synchronicity I
Walking In Your Footsteps
O My God
Mother
Miss Gradenko
Synchronicity II
Every Breath You Take
King Of Pain
Wrapped Around Your Finger
Tea In The Sahara
Murder By Numbers
CD 2 (Bonus)
Truth Hits Everybody (Remix)
Man In A Suitcase (Live At The Variety Arts Theatre, Los Angeles, USA / 16th January 1981)
Someone To Talk To
Message In A Bottle (Live At The Gusman Cultural Center, Miami, USA / 26th October 1979)
I Burn For You
Once Upon A Daydream
Tea In The Sahara (Live At The Omni, Atlanta, USA / 3rd November 1983)
Every Breath You Take (Backing Track)
Roxanne (Backing Track)
Wrapped Around Your Finger (Live At The Omni, Atlanta, USA / 3rd November 1983)
Every Bomb You Make
Walking On The Moon (Live At The Omni, Atlanta, USA / 3rd November 1983)
Hole In My Life (Live At The Omni, Atlanta, USA / 3rd November 1983)
One World (Not Three) (Live At The Omni, Atlanta, USA / 3rd November 1983)
Invisible Sun (Live At The Omni, Atlanta, USA / 2nd November 1983)
Murder By Numbers (Live At The Omni, Atlanta, USA / 2nd November 1983)
Walking In Your Footsteps (Derangement)
Tea In The Sahara (Derangement)
CD 3 (Unreleased Part 1)
Synchronicity I (Demo)
Synchronicity I (Alternate Mix)
Synchronicity I (Instrumental)
Walking In Your Footsteps (Alternate Version)
Walking In Your Footsteps (Alternate Mix)
O My God (Demo)
O My God (Outtake)
O My God (OBX Version)
O My God (Alternate Mix)
Mother (Alternate Version)
Mother (Instrumental)
Miss Gradenko (Alternate Mix)
Synchronicity II (Demo)
Synchronicity II (Outtake)
Synchronicity II (Extended Version)
Synchronicity II (Alternate Mix)
Synchronicity II (Instrumental)
CD 4 (Unreleased Part 2)
Every Breath You Take (Demo)
Every Breath You Take (Outtake)
Every Breath You Take (Alternate Mix)
King Of Pain (Demo)
King Of Pain (Alternate Version)
King Of Pain (Alternate Mix)
Wrapped Around Your Finger (Demo)
Wrapped Around Your Finger (Alternate Mix)
Wrapped Around Your Finger (Instrumental)
Tea In The Sahara (Demo)
Tea In The Sahara (Alternate Mix)
Murder By Numbers (Demo)
I’m Blind (Demo)
Loch
Ragged Man
Goodbye Tomorrow
Truth Hits Everybody (Remix) (Outtake)
Three Steps To Heaven
Rock And Roll Music
CD 5 (Live Part 1 – Unreleased)) Live At The Oakland-Alameda County Coliseum,
California, USA / 10th September 1983)
Synchronicity I
Synchronicity II
Walking In Your Footsteps
Message In A Bottle
Walking On The Moon
O My God
De Do Do Do, De Da Da Da
Wrapped Around Your Finger
Tea In The Sahara
Spirits In the Material World
CD 6 Live Part 2 – Unreleased)) Live At The Oakland-Alameda County Coliseum, California, USA / 10th September 1983)
Hole In My Life
Invisible Sun
One World (Not Three)
King Of Pain
Don’t Stand So Close To Me
Murder By Numbers
Every Breath You Take
Roxanne
Can’t Stand Losing You
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.