Graziela Medori e Alexandre Viana – Nossas Esquinas

 

Gênero: MPB

Duração: 41 min
Faixas: 12
Produção: Alexandre Viana
Gravadora: Kuarup

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

De uns anos pra cá, temos uma overdose de homenagens e descobertas relativas ao “Clube da Esquina”. O disco, composto por Lô Borges e Milton Nascimento, lançado em 1972, é um dos mais belos trabalhos da música brasileira, reconhecido com muita justiça pelo público mais jovem, seja de ouvintes, seja de artistas. A mistura de folk e rock que Lô e Milton obtiveram lá atrás, permanece ainda muito moderna e adaptável aos nossos dias. E poucas pessoas lembram que houve um segundo “clube”, o “Clube da Esquina 2”, lançado em 1978, com um elenco muito maior de colaboradores, com um resultado bastante significativo, ainda que esteja abaixo do primeiro álbum. Pois estes dois trabalhos coletivos servem de fonte para a existência de “Nossas Esquinas”, álbum que traz Graziela Medori nas vozes e Alexandre Viana nos instrumentos, com o objetivo de revisitar seis faixas de cada disco original, procurando conexões entre eles, explicitando detalhes e mergulhando neste Brasil imemorial que lá está, em algum lugar.

 

Graziela e Alexandre apostam numa abordagem que junta, ainda que de forma aleatória, um pouco de música minimalista e interpretações que tangenciam algo que poderia ser próprio da música de câmara. O tom é de reverência, mas com disposição e tino pra mexer com as tintas originais dos clássicos. E o repertório também não abusa de clássicos imortais, como, por exemplo, “Cais”, “Clube da Esquina nº2”, “Trem Azul”, “Paisagem da Janela” ou “Maria Maria”, todos de fora da seleção. Ainda que estejam presentes “Nuvem Cigana”, “Cravo e Canela” e “Tudo Que Você Podia Ser”, há alguns momentos de belezura e surpresa, com atenção dada a faixas que ficaram para trás na lembrança.

 

Este é o exemplo de “Canoa, Canoa”, faixa do segundo “Clube”, revitalizada aqui com brilhantismo e especial talento no arranjo que mistura clássico e popular, especialmente pelo uso do piano de Viana. A melodia percussiva é executada com desenvoltura e a voz de Graziela ultrapassa a mera interpretação respeitosa, encarnando ares de Brasil das encruzilhadas, das estradas de terra batida e riachos. Este é o caso também de “Dos Cruces”, do primeiro “Clube”, em que o sagrado e profano vão se misturando pelo uso minimal do piano e a montanha russa em que a voz de Graziela viaja, indo e vindo em altos e profundezas, oferecendo um resultado muito belo. Outra canção belíssima resgatada aqui é “O Que Foi Feito Devera (de Vera)”, que é levada com respeito e noção da importância, que soa como um inventário de achados e perdidos naquele Brasil que surgiria com a Anistia de 1979.

 

Há outras belezas por aqui. “Mistérios”, que tem o original interpretado por Joyce, no segundo “Clube”, é uma canção bela e atemporal, bastante conhecida, mas que ganha um novo fôlego aqui. “San Vicente” e sua utopia latino-americana com alicerce na dor e no sangue derramado de incontáveis lutas e anos, ganha um revestimento adoravelmente contraditório com o arranjo celestial que recebe. “Ao Que Vai Nascer”, que é uma das músicas mais belas desde sempre, também ganha nova vida com a voz de Graziela e o piano de Alexandre, que aqui está sutil e adequadamente contido. E, mesmo que seja conhecida e badalada, “Tudo Que Você Podia Ser” é respeitosamente tratada aqui, com um arranjo que privilegia a voz e os climas de leves sintetizadores aqui e ali.

 

“Nossas Esquinas” é um trabalho sincero, com um propósito definido e que serve como homenagem e caminho de exploração para quem deseja (re)conhecer canções que não morrem nunca. Ouça.

Ouça primeiro: “Canoa Canoa”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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