As estratégias do Iron Maiden em “Senjutsu”
Iron Maiden – Senjutsu
Gênero: Heavy Metal
Duração: 82 min.
Faixas: 10
Produção: Kevin Shirley e Steve Harris
Gravadora: Parlophone
Já faz um bom tempo que o Iron Maiden não é, apenas, uma banda de heavy metal. O grupo inglês partiu para uma dimensão além, na qual, sim, há a presença de sons pesados de guitarra, cavalgadas de bateria e o baixo igualmente galopante, executado pelo mentor de tudo, Steve Harris. Mas esta tal dimensão sonora exige um revestimento imagético forte, a construção de uma mitologia conceitual e pessoal igualmente importante e tudo isso, devidamente amarrada pelo talento dos músicos envolvidos, resulta em discos como este “Senjutsu”, o 17º da carreira do Maiden. Também precisamos envolver o colaborador e produtor Kevin Shirley neste balaio, uma vez que o cara – que está presente deste o início dos anos 2000 – é um mestre na extração/tradução do que a banda pode e quer dar ao ouvinte. Se toda essa engrenagem funciona a contento, o fã sai ganhando um baita presente duplo, como é o caso deste novo álbum. Tudo o que ele gosta está aqui, desde às tríplices guitarras, passando pela voz de Bruce Dickinson e chegando à nova versão do mascote Eddie, desta vez travestido de guerreiro japonês da Idade Média.
É importante esta parte em que a gente fala do que a banda quer dar ao ouvinte, tanto o fã, quanto o ocasional. As canções mais rápidas e energéticas, que caracterizaram a banda lá nos anos 1980, começaram a rarear ainda na década de 2000 e hoje são minoria, tanto em discos como “Senjutsu”, como no anterior, o igualmente bom “The Book Of Souls”. A banda tem preferido entrar nesta tal dimensão sonora na qual pode se dar ao luxo de se expressar em formatos que contemplam canções de dez minutos, épicas, temáticas, dramáticas, cheias de técnica e feeling. E elas podem ou não conter os tais momentos mais rápidos e energéticos de que os fãs old-timers sentem falta. Mas isso não parece ser mais prioritário na hora do Maiden pensar e gravar. Este formato maior consegue oferecer espaço para o grupo brincar de ser progressivo, de testar limites técnicos no estúdio e obter material para levar ao palco, algo que a banda não abre mão mesmo tendo um catálogo que lhe permitiria fazer uns dois ou três shows de hits pregressos.
Como falamos, Steve Harris segue como o tal timoneiro veterano que a banda sempre teve. De sua mente saem as ideias e certamente veio a noção de aproveitar essas canções maiores. Bruce Dickinson, por sua vez, oferece o estofo vocal e lírico para dar forma a essas odisseias sonoras, enquanto o outro pilar da banda, o guitarrista Adrian Smith, segue como sendo uma espécie de Mr Scott da Enterprise maideniana, mantendo tudo em ordem com sua guitarra agregadora. Não bastasse este trio protagonista, o baterista Nicko McBrain melhora a cada disco, mostrando versatilidade e criatividade suficientes para acompanhar a banda nestes terrenos mais ousados sem que haja qualquer tipo de perda de qualidade ou punch. Tudo funciona.
“Senjutsu”, que quer dizer algo como “estratégia” em japonês, tem dez canções, quase sempre além dos sete minutos. São épicos em escalas diferentes, nos quais o Maiden brinca como quer. Se os dois singles – “The Writing On The Wall” e “Stratego” – surgiram meio desconectados do passado da banda, ambos ganham novo sentido e significado no meio das dez faixas do álbum. Mas eles não são os responsáveis pelos melhores momentos de “Senjutsu”. “Days Of Future Past”, justo a menor canção aqui (quatro minutos e três segundos), herdeira das tais cavalgadas maidenianas do passado, é uma belezura épica de bolso, com Bruce esgoelando a letra na beira de um precipício de luzes e lasers. “Death Of The Celts” é outra lindeza, que poderia estar na trilha sonora de “Coração Valente” ou algo assim, enquanto “Darkest Hour” também faz bonito. O fecho do álbum é também o seu momento maior: “Hell On Earth”, uma epopeia rítmica e sensacional, que, pleno 2021, entraria numa coletânea de melhores gravações do Maiden sem fazer muito esforço.
“Senjutsu” é o que o Iron Maiden tem pra oferecer a seus fãs e admiradores. É música complexa mas amigável, é peso não selvagem, que pede entendimento e estudo. É um baita de um disco, de uma baita de uma banda.
Ouça primeiro: “Days Of Future Past”, “Hell On Earth”, “Death Of The Celts”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Excelente texto, com análises precisas e coerentes, (como sempre). Parabéns!!!!
Acho que a nossa Donzela precisa sempre do Martin Birch, que se aposentou cedo demais e morreu ano passado.
Falando em morte…
No dia da morte do Charlie Watts, lembrei da partida do Neil Peart e ontem ouvindo Senjutsu fiquei pensando como será o meu mundo daqui a dez anos…?
Bora ir no Rock in Rio 2022, para mais um show avassalador da maior banda inglesa do Brasil!!