“Elvis” é um baita espetáculo de imagem e som

 

 

O diretor australiano Baz Luhrmann divide opiniões: ou você gosta de seus trabalhos ou detesta. Ele filma de forma exagerada, colorida, frenética, invoca vários elementos na tela, visuais e sonoros, obrigando o espectador a perceber tudo, o tempo todo. Com “Elvis”, seu mais novo longa, não é diferente. O que é novo por aqui é que Luhrmann parece chegar a um meio termo entre o exagero e o compromisso com o roteiro, visando obter um filme que seja capaz de dar conta de uma vida tão intensa e importante quanto a de Elvis Presley, sem sacrificar elementos de verossimilhança e fantasia. O que não significa que “Elvis” seja “apenas” uma cinebio de um dos mais importantes ícones da cultura popular do planeta no último século.  É mais um filme de … um super-herói.

 

 

Digo isso sem pensar em reduzir a experiência de ver a produção de Lurhmann como se fosse algo do universo Marvel ou DC, pelo contrário. Apesar disso, “Elvis” usa a premissa do super-herói sobre-humano em sua essência, utilizando uma frase do próprio personagem principal, que faz uma analogia à sua presença no palco como se ele, nesta ocasião específica, se tornasse um herói com poderes especiais. Se pensarmos no efeito que Elvis, o cantor, causou na cultura americana conservadora daquele meio de anos 1950, a comparação é válida e os efeitos, dignos. E a direção constrói a narrativa como se apresentasse a origem e a trajetória de um homem comum que, ao mesmo tempo, é uma criatura de poderes especiais, seja na música, seja no visual, seja no efeito.

 

 

Encarar “Elvis” desse jeito, porém, é ser reducionista. Há muito o que pensar sobre o filme e ele cumpre uma missão importante, a de nos lembrar de que o “rei do rock” era, sim, um ser humano. E essa condição de humanidade surge ao longo de toda a narrativa, seja no início da carreira – quando Elvis ainda não sabe do que é capaz -, seja no auge, quando ele tem noção de seu alcance, e no fim, no vislumbre de uma existência que ele questiona e que, resignado, abraça mesmo sabendo dos problemas em fazer isso. O roteiro, no entanto, derrapa um pouco ao tentar mostrar que o homem dos palcos, dos filmes e dos discos era exatamente o mesmo que vinha para casa e vivia com a família, os pais, a esposa, a filha. Talvez não tenha sido exatamente assim.

 

 

Aliás, a vida de Elvis é pautada neste filme pela narrativa de seu empresário, o coronel Tom Parker. Vivido por Tom Hanks em uma atuação digna de um vilão de filme de … super-herói, ele viverá uma relação simbiótica com o cantor a princípio, tornando-o um ícone da nascente cultura pop, mas, ao longo do tempo, transformando-se claramente numa espécie de parasita de sua energia vital e criatividade, direcionando o artista para como e onde ele, Parker, desejasse. Com isso, uma teia de dinheiro, poder, fama e descontentamento vai crescendo e aprisionando todos os que orbitam esta relação. O fim, bem, sabemos todos.

 

 

“Elvis”, o filme, tem mais méritos que erros. Tem um visual impressionante, colorido, que evoca os melhores momentos de Lurhmann, sem excesso. Tem uma trilha sonora que atualiza a obra de Elvis sem muita descaracterização, mas que, em alguns momentos, não consegue evitar estranhamentos. Tem uma atuação questionável de Hanks e uma ótima presença de Austin Butler, que vive o rei do rock. Olhando friamente, o ator americano não parece fisicamente com Elvis, porém, a direção e o figurino são eficientes o bastante para convencer o público de que, sim, estamos vendo uma reencarnação do homem. Butler dança como ele, canta como ele e evita uma atuação totalmente comprometida com a verdade dos fatos, algo que o roteiro lhe permite fazer. Ou seja, ele está muito mais para o Elton John, de “Rocketman”, do que para o Freddie Mercury, de “Bohemian Rapsody”.

 

 

No fim das contas, outra justiça histórica: o filme valoriza os primeiros anos de Elvis em Las Vegas, precisamente, entre 1969 e 1972, quando o rei estava cantando o fino, se apresentando com uma baita banda e fazendo ótimos discos. Se duvida, procure ouvir o ótimo ao vivo “On Stage”, de 1970. Como filme, “Elvis” é um ótimo espetáculo para ser visto numa baita telona, numa sala com ótimo sistema de som. Vá em frente.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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