Considerações sobre a volta do Oasis

 

 

Escrevo esse texto intencionalmente na véspera do anúncio misterioso que surgiu nas redes sociais dos irmãos Liam e Noel Gallagher, bem como no perfil do Oasis: o dia 27 de agosto de 2024 surgiu com a marca iconográfica da banda e, logo depois, o horário: “8 a.M”, conhecido também como “oito da manhã”. A imprensa musical britânica já dá como certo o retorno do grupo mais bem sucedido comercialmente dos anos 1990 para uma série de apresentações ao vivo. Rumores dão conta de datas no Wembley Stadium, em Londres, e no Heaton Park, em Manchester (terra natal dos irmãos). Uma apresentação no Festival de Glastonbury do ano que vem também está nos planos. Até agora nada foi dito de mais concreto, mas as notícias dizem que apenas os Gallagher voltam para estes supostos shows, acompanhados por músicos da atual banda de Noel, os High Flying Birds. E só. O resto é excitação, desorientação e gente falando bem sobre a ideia de ter o Oasis na ativa, nem que seja por uma temporada de shows. Mas, e você? O que acha? E nós, aqui, na Célula Pop? O que achamos disso?

 

Em primeiro lugar, ouvimos muito Oasis no seu tempo. Ouvimos mais os três primeiros álbuns – “Definetely Maybe” (1994), “What’s The Story Morning Glory” (1995) e “Be Here Now” (1997) -, mas temos noção de que, tanto a coletânea de lados B “The Masterplan” (1998), quanto os trabalhos do Oasis a partir de 2000, ainda que menos brilhantes que os anteriores, têm boas músicas em quantidade suficiente para desmentir os que sentenciam o grupo ao ocaso e à falta de imaginação. Porém, por mais canções interessantes que “Standing On The Shoulder Of Giants” (2000), “Heathen Chemistry” (2002), “Don’t Believe The Truth” (2005) e “Dig Out Your Soul” (2008) contivessem, a sensação de ouvir Oasis não era a mesma. Pode ter sido por conta da mudança rápida dos parâmetros da indústria da música, incluindo aí o processo que culminaria nos serviços de streaming e na digitalização das mídias, pode ter sido por algum outro motivo. Arrisco dizer que Noel aproveitou uma das inúmeras situações de atrito com Liam e decretou sua saída do grupo, achando que, na posição de compositor e arquiteto sonoro primordial do Oasis, tal fato liquidaria o irmão e tudo mais. Quando formou sua nova banda, o High Flying Birds, Noel tratou de dar vazão a um lado experimental que pouquíssimas vezes aflorou no Oasis. Ao longo de quatro álbuns apenas interessantes, ele misturou eletrônica, ritmos dançantes, fez remixes, colaborações, burilando o híbrido beatle-manchester que sempre fez à exaustão, levando-o a novos e interessantes lugares, porém, com irregularidade. Na verdade, Noel só foi gravar um álbum realmente bacana e grandioso com “Council Skies”, em 2023.

 

Já Liam sempre demonstrou tristeza pelo fim do velho grupo. Em suas redes sociais, ele atormentou a vida de Noel clamando por um retorno, chegando, inclusive, a dar ultimatos ao irmão nos tempos da covid-19, dizendo que um show do Oasis seria ocasião perfeita para arrecadar dinheiro e recursos para ajudar às vítimas da pandemia. Sempre disse que dependia apenas do irmão o retorno do grupo. O fato é que Liam superou todas as expectativas sobre seu futuro musical a partir do fim da banda. No mesmo ano de 2009, lá estava ele à frente de outro grupo, o Beady Eye, no qual também estavam os ex-colegas de Oasis, Gem Archer e Andy Bell, além do baterista Chris Sharrock. Com eles, Liam gravou dois álbuns mornos, “Different Gear, Still Speading” (2011) e “BE” (2013″, numa empreitada que se sustentou mais pela nostalgia do Oasis do que por talento próprio. De fato, a musicalidade de Liam sempre foi mais, digamos, restrita que a de Noel e ele nunca negou isso. Quando entrou em carreira solo, a partir de 2015, abraçou uma sonoridade que derivava desavergonhadamente do que foi feito no Oasis, mas com brilho e sacadas interessantes o suficiente para agradar a velhos fãs e não soar como uma peça de museu. Foram quatro ótimos álbuns: “As You Were” (2017), “Why Me? Why Not” (2019), “C’Mon You Know” (2022) e um belíssimo “MTV Unplugged” (2020), sem falar no disco gravado com John Squire no início deste ano, “Liam Gallagher & John Squire”. No fim das contas, Liam se saiu melhor que Noel em carreira solo.

 

Sendo assim, Noel e Liam nunca se foram, de fato. Com suas carreiras e aparições em show (ambos vieram ao Brasil nesse meio tempo e já haviam vindo antes com o Oasis), eles foram figuras presentes no mundo das notícias sobre música. Aqui no Brasil, país que padece da falta absoluta de criatividade nas programações de rádio e mídia especializada sobre música, o Oasis se resumiu a “Don’t Look Back In Anger” e “Wonderwall” tocando em rádios rock e se perpetuando na mente embotada do ouvinte médio. Sabemos que a banda e os irmãos tinham e têm mais a oferecer do que isso e, cá entre nós, sensacional mesmo seria vê-los em estúdio produzindo algo novo após estes quinze anos sem colaborar. Será que Noel seria, novamente, o dono da bola? Será que as sugestões e informações que Liam coletou nesse tempo não seriam úteis e válidas para a confecção de algo diferente? Mas há um receio que assombra esse tipo de reunião: soar fora de lugar. Explico.

 

Quando o Oasis surgiu, o mundo era outro. A sonoridade da banda, era a tradução de uma belicosidade entre irmãos, mas também era a voz de um país que emergia de mais de dez anos de governos conservadores e a figura dos Gallagher, brucutus, irascíveis, arrotando marra e assumindo que copiavam as sonoridades daqueles que consideravam os melhores de todos os tempos, a saber, os Beatles, os Stones, Bowie e outros baluartes, representava com precisão a Inglaterra daquele tempo. Com suas camisas do Manchester City, na época um time da Segunda Divisão inglesa, os irmãos eram dois alienígenas na mídia. Eram o oposto dos certinhos intelectuais do Blur e dos esquisitões do Radiohead, mas envergavam com orgulho a bandeira britânica na pintura da guitarra de Noel e ajudaram a fundar uma visão moderna, bacana e esperta de juventude inglesa. Liam e Noel sempre souberam fazer de sua relação tempestuosa um poderoso mecanismo de marketing e identificação com seu público, sempre exaltando a “atitude rock” inerente ao Oasis e alinhando-a à vida cotidiana da dupla e dos fãs.

 

Uma coisa é certa: caso volte amanhã e anuncie shows para o verão inglês de 2025, os irmãos levantarão uma soma vultosa de grana. Estima-se em reportagens da mídia britânica que cada um embolse cerca de 50 milhões de libras. E que Noel teria um rombo de 20 milhões para quitar após seu divórcio de Sara MacDonald, com quem era casado há doze anos. Se for assim, dane-se a nostalgia, dane-se a cultura, dane-se os fãs, ainda sobrarão 30 milhões. Nada mau.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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