Lô Borges em seu melhor disco recente

 

 

 

Lô Borges – Tobogã
45′, 12 faixas
(Deck)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Em 2022, a cidade de Niterói, onde moro, promoveu uma série de atividades, shows e encontros sobre os cinquenta anos do “Clube da Esquina”. O álbum duplo e colaborativo, assinado por Milton Nascimento e Lô Borges, foi composto e concebido por aqui e, em meio às comemorações do cinquentenário, alguns desses participantes vieram dar shows na cidade. Lô, Beto Guedes, Som Imaginário, Wagner Tiso, Toninho Horta, todos estiveram por aqui. Foi montado um palco próximo da casa de Mar Azul, local onde vários dos integrantes do “Clube” moraram em 1972, para as apresentações e, em meio a chuva, vento e condições desfavoráveis, um encapuzado Lô Borges, que tentava levar adiante seu show, disparou: “Tá ventando pra caralho aqui!”. Pouco depois, como se não lhe restasse outra escolha, concluiu: “Foda-se, vou cantar assim mesmo!”. E seguiu adiante com seu repertório atemporal. Lô retomou as atividades de gravação e composição na virada dos anos 1990/2000 depois de tempo demais sem dar notícias. De 2019 para cá, ele vem num ritmo alucinante, já tendo lançado sete discos, a saber, “Rio da Lua” (2019), “Dínamo” (2020), “Muito Além do Fim” (2021), “Chama Viva” (2022), “Não me Espere na Estação” (2023) e “50 Anos de Música – Ao Vivo na Sala Minas Gerais” (2023). Este novíssimo “Tobogã” tem algumas surpresas interessantes e ganhou seu nome a partir do livro lançado em 1987 pelo pai do artista, Salomão Borges (1916 – 2014), morto há dez anos. Mas não é só isso.

 

A capa de “Tobogã” foi criada por Rodrigo Brasil, a partir de foto de Carlos Filho, o Cafi (1950 – 2019), mostrando o cantor e compositor com sua pinta de menino nos anos 1970. Lô acha que a foto pertence às sessões do próprio “Clube da Esquina”, de um grupo de takes que foram aproveitados também para ilustrar seu álbum de 1982, “Nuvem Cigana”. O fato é que a juventude que a imagem traz casa totalmente com o espírito de composição de Lô. Em cada um dos seis discos recentes, o artista apresentou parcerias com um letrista específico: Nelson Angelo, Makely Ka, Marcio Borges (letrista dos maiores sucessos do cancioneiro do compositor), Patricia Maês e César Maurício, o que mostra uma incrível disposição para produzir e experimentar. Sendo assim, seguindo este mesmo método, para “Tobogã”, temos a médica e poeta Manuela Costa assumindo a posição de parceira de Lô. Sua relação com o “Clube da Esquina” intensificou-se em 2003, quando, após visitar a casa dos pais de Lô em Belo Horizonte, ela recebeu um exemplar de “Tobogã”, o livro de memórias de Salomão Borges. Conhecendo o artista há tempos, após várias mensagens, e-mails e trocas de apontamentos, a parceria entre os dois firmou-se e frutificou rapidamente.

 

Lô apresenta em “Tobogã” mais doze canções inéditas e podemos dizer que este feixe recente de composições se insere entre as melhores que ele gravou nesses últimos tempos. A sensação vem da riqueza dos arranjos, da criatividade das execuções e um afinco muito acima da média. Com a presença dos músicos de sua banda de apoio, além do próprio Lô (voz e violão), Henrique Matheus (guitarra), Thiago Corrêa (contrabaixo, teclados e percussão) e Robinson Matos (bateria), podemos notar muitos momentos em que guitarras ficam mais pesadas, teclados brincam com timbres psicodélicos e até Lô vem com novidades em seu jeito de cantar. A abertura, com a faixa-título, traz presença de Fernanda Takai e mistura algumas frases que Lô ouvia do pai (“o tempo é uma abstração da mente”) com uma história verídica de Yoko Ono e John Lennon sobre um quadro escolhido numa galeria de arte no início dos anos 1970 que continha uma declaração de amor dela para ele. A faixa seguinte, “Vou Ventando Pra Você” tem guitarras crocantes e chega a surpreender pela alternância entre este peso e a dinâmica habitual das canções de Lô. Quando ouvimos “Minas e Marte”, em seguida, e damos de cara com Lô quase recitando a letra em meio a um arranjo que lembra alguns momentos do britpop noventistas, sabemos que há algo a mais em “Tobogã”.

 

A levada cadenciada de “Esqueço Tudo” comprova o parentesco com o imaginário beatle que sempre pairou sobre a produção do artista, com mais peso de guitarras e efeitos de voz e eco. “Teia” traz mais desse uso surpreendente, não só da guitarra, mas com uma linha de baixo gorda e cheia de possibilidades. “Colar de Cobre” mergulha ainda mais nas águas psicodélicas de uma interseção entre as sonoridades beatle originais e suas releituras noventistas, em novo dueto com Takai. “Poema Secreto” pisa fundo nas dinâmicas melódicas de canções beatle do fim dos anos 1960, marcando bem o ritmo ao piano e na guitarra, amplificando a influência para “Até a Terra Balança” que chega a lembrar “Ob-La-Di Ob-La-Da” em seu arranjo e letra surreal, mas com espaço para uma desconstrução original da cadência em favor da surpresa. “Na Curva de Um Rio” mostra que a apropriação de significados beatle por Lô é natural e sincera, com um belo arranjo psicodélico que paira em clima circense, meio “Lucy In The Sky With Diamonds”, com um resultado bem legal.

 

A produtividade de Lô Borges nunca comprometeu a qualidade de seu trabalho. Mas “Tobogã” está um degrau acima em termos de inventividade e atenção a arranjos, execuções e timbres. É um discaço, certamente o melhor de sua fornada recente. Viva, Lô Borges e os seus.

 

 

Ouça primeiro: “Tobogã”, “Vou Ventando pra Você”, “Minas e Marte”, “Esqueça Tudo”, “Teia”, “Colar de Cobre”, “Poema Secreto”, “Até a Terra Balança”, “Na Curva de um Rio”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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