A maior banda de rock do mundo lança seu novo álbum

 

 

 

 

Fontaines DC- Romance
37′, 11 faixas
(XL Records)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Há algo faltando. Ao buscar as resenhas dos álbuns anteriores do Fontaines DC, noto que não fiz a de “Skinty Fia”, trabalho lançado em 2022. Não lembro o porquê da ausência do terceiro disco do grupo irlandês, mas lembro de ouvi-lo e gostar. O fato é que a formação de Dublin deve ser detentora de algum tipo de recorde: seus dois primeiros álbuns, “Dogrel” (2019) e “A Hero’s Death” (2020) levaram nota máxima em suas respectivas avaliações aqui na Célula, algo notável para uma banda tão nova. A produção do FDC é de quatro álbuns em cinco anos de existência, uma trajetória ascendente e vertiginosa, que teve início dos subúrbios da capital da Irlanda e veio subindo rapidamente, sem tomar conhecimento do que havia pela frente. Sua sonoridade veio se transformando aos poucos, gradualmente, evoluindo de um híbrido indie punk irlandês para um pós-punk abrangente, perigoso, com sangue nos olhos. Ver uma apresentação do grupo é estar de frente com a versão 2024 do rock, ou melhor, do rock que descende de uma linhagem clássica, forjada ao longo de décadas e não um produto empacotado desavergonhadamente pela indústria. A música do Fontaines nos deixa utópicos e sonhadores, não apenas pelo lirismo ou beleza das faixas, mas pelo significado de ver canções tão fortes e bem feitas, inegavelmente arriscadas, ameaçadoras, sento entoadas por multidões cada vez maiores. “Romance”, quarto álbum dos sujeitos, é uma polaroide de sua chegada aos píncaros do mundo. Não tem pra ninguém.

 

Ninguém chega neste lugar querendo soar como uma banda desconhecida, tesouro de poucos. O Fontaines sabe disso, jamais deixou sua musicalidade estagnar ou se repetir, sua trajetória é marcada por essa evolução constante a que nos referimos acima. Gostar da banda, portanto, é gostar da jornada, testemunhar esse desejo de crescer e ganhar o mundo. Engraçado que o vocalista Craig Chatten e seus comparsas o façam de maneira tão natural. Além de ótimos músicos e compositores, os sujeitos têm visão privilegiada e tino. Alguns momentos de “Romance” são inesquecíveis e resgatam uma tradição de grandes bandas despontando para o megaestrelato. A sonoridade ampla que o produtor James Ford conseguiu obter no estúdio é parte integrante deste plano em execução – é preciso entender que é perfeitamente possível soar relevante sem parecer que gravou num cafofo empoeirado. O som é a antítese do lo-fi, as guitarras são altas e nítidas, a bateria é audível, não tem timbre de lata, o baixo estala junto com ela, os teclados voam pelo espectro sonoro e os vocais de Chatten são perfeitos para o que a banda se dispõe.

 

Outro aspecto interessante de “Romance” é a diversidade que ele propõe, mesmo estando acomodado dentro do nicho guitar/indie/rock dos anos 2020. Tem várias abordagens de signos e informações do pós-punk britânico dos anos 1980, acenos a ecos do britpop noventista e até uma interessante inclusão de timbres de nu metal, algo que, a princípio, seria estranho, nas que coube perfeitamente nas estruturas da banda. A ideia de evolução constante faz com que essas abordagens – e algumas excentricidades – sejam mais naturalmente absorvidas nos arranjos e, de alguma forma, é possível perceber isso no resultado. Uma faixa como a ótima “Motorcycle Boy”, tem um DNA que remete a gravações do Verve antes da fama ou mesmo do Oasis de 1995, mas ela jamais parece uma chupação indiscriminada, algo explícito. Os detalhes estão ali – os vocais melodiosos, as guitarras acompanhando, o clima da canção – e se tornam perceptíveis para ouvidos mais atentos. O mesmo acontece com outra bela canção – “Sundowner” – que tem sample de cordas em espiral, bateria tonitroante e vocais psicodélicos que parecem voar. O Fontaines ainda não havia soado desse jeito.

 

O single “Starburster” surgiu com o tal trecho nu metal a que nos referimos e bastou uma apresentação insana num episódio do programa “Later With Jools Holand” para ver o que Chatten e seus amigos queriam com aquilo. O tal “tom ameaçador” mencionado acima vem desta apresentação e do resultado da presença da banda no último Glastonbury, comandando uma multidão de convertidos. O crescente em espiral de “Horseness Is The Whatness”, a guitarrama à la Pixies de “Here’s The Thing”, a crônica de “In The Modern World”, tudo é maravilhosamente bem gravado e cheio de achados líricos sobre solidão, revolta contra o sistema e as pessoas transformadas em seguidoras de normas e tendências que não entendem e não contestam. O final com “Favourite” talvez seja inesperado, justo por se tratar de uma canção mais solar e que evoca mais deslavadamente as influências oitentistas de Smiths e similares, devia vir antes no álbum, mas é bem pouco para reclamar, visto que é uma belezura de guitarras ensolaradas antes do apocalipse chegar.

 

“Romance” é um baita disco, presença certa em listas de melhores de 2024 e dá pra dizer isso desde já. O FDC é uma banda praticamente pronta para entrar no hall das maiores em atividade, oferecendo música nova, perigosa, urgente, ameaçadora. É coisa séria e você precisa ouvir. Já.

 

 

Ouça primeiro: “Starburster”, “Horseness Is The Whatness”, “Here’s The Thing”, “Favourite”, “In The Modern World”, “Motorcycle Boy”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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