Wilco reencontra seu DNA e brilha intensamente

 

 

Wilco – Cruel Country
(Words Ampersand)
77′, 21 faixas

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Pra entender e apreciar “Cruel Country” como ele merece, é necessária uma pequena olhada para a trajetória do Wilco. Até 2006, a banda liderada por Jeff Tweedy tinha sua sonoridade equilibrada num cabo de guerra entre suas origens alt-country noventistas e alguns experimentos guitarreiros que, vá lá, lembravam até o Sonic Youth em alguns pontos. Somada a isso, a montanha russa emocional de seu líder e sua relação com as drogas, que quase acabaram com o grupo. O fato é que, naquele ano, o Wilco soltou seu último grande trabalho, “Sky Blue Sky”, seu sexto disco. Dali para frente, este equilíbrio de informações musicais foi ficando de lado, em favor de uma sonoridade mais frouxa, relaxada e que flertava com o rock alternativo genérico americano noventista e com algumas outras pitadas – até de classic rock. Estes últimos 16 anos também viram Tweedy adentrar uma carreira solo mais consistente, a ponto de, nos últimos três anos, ele ter lançado quatro discos e apenas um com o Wilco, o fraco “Ode To Joy”. Pois bem, com este “Cruel Country”, o Wilco retoma os primeiros oito anos de trajetória e, de quebra, realiza uma vontade secreta dos fãs: fazer um trabalho que misturasse seus dois álbuns mais queridos, “Being There”, de 1996 e “Summerteeth”, de 1999, este último, o preferido deste que vos escreve. E, bem, Tweedy e sua turma, não só conseguiram o intento – suposto – como se saíram com um trabalho que os reconecta com sua melhor sonoridade e que, mais que isso, tem bala para pleitear um lugar no hall de seus melhores álbuns, talvez melhor até que o próprio “Being There”. Exagero? Não, não mesmo.

 

O “country”, que o Wilco pratica neste álbum duplo, não é alternativo, tampouco tradicional. Na verdade, ele é uma leitura personalíssima de Tweedy e cia. sobre como falar dos Estados Unidos com amor, mas, ao mesmo tempo, sem ignorar a ficha corrida de seu país no cerceamento dos direitos civis, das liberdades individuais e tudo mais que o “sonho americano” representa em seu – para usar um termo caro aos nerds atuais – metaverso. Um país de massacres em escolas, de partidários de trump, de megamultidonos de empresas transnacionais, que perpetuam o neoliberalismo no mundo, sabemos bem, não é algo fácil de se defender. Mas, por outro lado, os EUA são um poço de cultura sensacional, no qual está esse amor que os seus habitantes têm por seu “country”. Então, mais do que nunca, o Wilco resolveu falar de seu país sem se perder no ufanismo, olhando para a dor e a delícia, sem esquecer a lindeza que é viver por lá e, ao mesmo tempo, a dureza que é viver por lá. Igualmente. Então, quando vemos o título deste álbum, a alusão é clara: “meu país é cruel, mas eu o amo”.

 

Sendo assim, este é um disco totalmente imerso no que os Estados Unidos são hoje e o Wilco conseguiu um resultado emocional muito preciso e comovente. O álbum é doce, mas exibe uma tristeza de quem já está cansado de tentar, de sonhar, de aspirar, porém, mesmo com as derrotas e as lições da vida, seguirá tentando porque não sabe viver de outro jeito. Isso não significa resignação, pelo contrário – é a eterna noção de que o presente e o futuro são o que fazemos dele, constituindo um preço caro a ser pago, o da eterna vigilância. Traduzir este sentimento em música, mais ainda, música que vai emocionar gente fora dos EUA, é algo que exige distanciamento, inteligência, sensibilidade e o conhecimento dos atalhos do campo. Tweedy e sua turma jogam de terno neste álbum, reencontrando com suas versões de 20 e poucos anos atrás. O resultado é belo e exprime um verdadeiro jorro de belas canções, todas curtas, sensíveis, supostamente frágeis, que falam direto ao fã do Wilco, meio resignado com a sonoridade chocha que a banda vinha praticando.

 

Temos então o painel de 21 canções. Delas, apenas uma é grande, com quase oito minutos. Outras duas giram em torno dos quatro, e as restantes ficam entre dois e três minutos, fazendo com que os 77 minutos do álbum passem voando. O Wilco mostra uma exuberante forma na composição e execução dessas canções, produzindo um raríssimo disco duplo quase sem desperdício de tempo, ou seja, tudo aqui é, pelo menos, interessante. A voz de Tweedy parece muito com a de John Lennon em várias passagens e isso enfatiza o tanto de influência beatle que este álbum exibe, talvez de forma secreta, talvez implícita. O fato é que o Wilco sempre teve seu quinhão com o Fab 4 e isso parece evidente aqui. Canções maravilhosas, que duram o tempo necessário, como “Tired Of Taking It Out On You”, são como reencontrar seu velho amigo de muito tempo e ver que ambos continuam os mesmos. “Hints” é outro exemplo de lindeza sutil, mais calcada no terreno do country mais simples, mas bela e permeada por um arranjo econômico que prioriza a delicadeza. Aliás, “delicadeza” é a palavra que logo vem à mente na abertura do disco, com a belíssima “I Am My Mother” e que se perpetua disco adentro, com coisas impressionantes como “The Empty Condor” (que caberia em “Summerteeth” facilmente). O piano e a slide guitar de “All Across The World” (outra que caberia fácil em “Summerteeth”) também fazem muito bonito.

 

“Many Worlds”, a maior faixa do álbum, se enquadra no padrão de “música longa” do Wilco, alternando timbres soturnos, mudança de andamento e uma ótima participação das guitarras, que se entrecruzam na metade final da canção, num belo diálogo. Em seguida, uma das mais belas faixas do álbum, a luminosa “Hearts Hard To Find”, com uma melodia que lembra o soft rock setentista de gente como America ou Bread, só que devidamente desbotado e desiludido pela crueza do tempo transcorrido. O single “Falling Apart (Right Now)” é outra lindeza, dessa vez mais próxima do country estilizado, enquanto “Story To Tell” é uma baladaça pianística sobre os tantos de história que temos para contar nesta vida. Há uma certa aura mccartneyana por aqui. E “Mystery Binds” fecha a trinca de faixas que poderiam estar com facilidade no “Summerteeth”, o que é, certamente, o maior elogio possível.

 

“Cruel Country” reaproxima o Wilco de seus fãs mais antigos, além de, claro, reaproximar a banda de sua versão mais jovem e auspiciosa. A linearidade das canções, os arranjos belos e o clima de reencontro pessoal permeiam estes 77 minutos. Que a banda fique nestes trilhos por mais tempo.

 

Ouça primeiro: “The Empty Condor”, “Hints”, “All Across The World”, “Hearts Hard To Find”, “Story To Tell”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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