Para Os Que Ficam: Quando a literatura faz uma visita

 

 

Do que uma família é capaz, para o bem ou para o mal?

 

Ana tem 47 anos e vive no apartamento antigo da família no Rio de Janeiro, onde toma conta do pai que tem Alzheimer e divide os dias que parecem sempre iguais entre o alcoolismo e as lembranças da relação abusiva com o marido Jota, com um dos irmãos e a mãe omissa, já falecida.

 

Filha mais velha entre três e única mulher, Ana é parte e nervo do livro “Para os que ficam”, do escritor carioca Alex Andrade, lançado pela editora Confraria do Vento esse ano, uma história-mergulho no oceano instável das relações familiares.

 

“Lutei contra o meu homem e suas verdades, encerrei a minha história de amor e álcool com ele, briguei com o mundo para ser aquela que rege, coordena, ampara e ao mesmo tempo segue aflita por uma corda bamba, ainda bebendo, mas sozinha”

 

Ser aquela, ser a que, ser quem: como não desistir quando a realização da liberdade se transforma em luta contra o que se espera de nós?

 

Tamanha sobrevivência é possível?

 

Ana parece flanar por um ambiente cercado de paredes onde sentimos essa pergunta escrita, repetida e por fim guardada no quarto fechado que dividia com os irmãos, território das dores e abusos da infância perpetrados por Maurinho, o do meio, contra ela e o caçula Luciano, que depois de adulto foi embora para a Europa para proteger seu verdadeiro eu.

 

“Lu me contava essas histórias para sublimar os acontecimentos, desde que tomou a coragem de assumir quem era e seguir seu caminho no mundo, nunca mais deixou que apagassem a sua luz. Aquele menino retraído, distraído e que se escondia atrás da minha proteção, tornou-se um ser iluminado, resplandecente”

 

Enquanto ela permaneceu nos mesmo e sufocantes lugares e arranjos, definida e traumatizada pela tentativa de emergir das exigências e expectativas das pessoas em quem mais confiava para uma vida em que pudesse respirar como si mesma.

 

Só que na sua vez, sente que falhou.

 

Para os que ficam fala da nossa verdadeira humanidade familiar quando as portas se fecham: as doenças não serão tratadas com as fofocas dos vizinhos, as crianças coagidas pela força do irmão cruel não estarão seguras até que os pais reconheçam a dor com que dividem a mesa de jantar.

 

Que os banheiros podem ser nossos confessionários, mas não abrigam nossos choros e escapatórias para sempre. E carregar o peso de qualquer relação adoece. Fisicamente, emocionalmente.

 

Tal como Clarice Lispector, sua influência e inspiração, Alex não nos dá um final fechado, de interpretação única. A vida real não faz isso pela gente.

 

De que mal realmente sofre Ana e os seus?

 

De que mal sofremos nós e os nossos?

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

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