Você precisa conhecer – e amar – Jessica Pratt

 

 

 

 

Jessica Pratt – Here In The Pitch
27′, 9 faixas
(City Slang)

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

 

Ouvi Jessica Pratt pela primeira vez no início de 2015, quando escrevia a resenha de seu segundo álbum, “On Your Own Love Again”, para o Monkeybuzz. Lembro-me de dar uma cotação altíssima para o disco, pois fiquei muito impressionado pela capacidade da cantora e compositora americana de soar como as grandes mestras do pop/folk americano clássico, sem perder de vista influências mais diversas. Algo como um mix de Joni Mitchell e Laura Nyro com forte acento de Burt Bacharach. Além desse pedigree de referências, Jessica também se mostrou original o bastante para mostrar uma voz própria, cheia de detalhes peculiares, além de uma capacidade musical impressionante, que fazia a tal influência de Bacharach, geralmente associada a orquestras e arranjos luxuriantes caber em seu dedilhado de violão acústico. É impressionante a capacidade de compressão que ela imprimia nos acordes e progressões do instrumento acústico, seu único acompanhante no álbum. Corta pra 2024. Jessica lança seu quarto trabalho, “Here In The Pitch”, ainda fiel ao que faz desde que iniciou sua trajetória (seu primeiro disco, homônimo, é de 2012), mas com uma consistente evolução em estúdio. E a nova safra de canções é tão boa – ou melhor – que a de 2015.

 

Para melhor compreendermos a beleza de “Here In The Pitch” e constatar essa evolução, é preciso olhar com detalhe para o terceiro trabalho de Jessica, “Quiet Signs”, de 2019, o qual criminosamente ignorei na época. É outro álbum belíssimo, soturno, aquático, que incorpora alguns itens à espartana lista de recursos instrumentais que Jessica se permite usar. Piano, flautas, órgão, por exemplo. Neste trabalho, assim como os outros, produzido e tocado por ela, é possível ver a afirmação da marca vocal, aguda, meio estranha, mas sempre confessional, além de um amadurecimento na criação das melodias e arranjos. É possível perceber, além das influências detectadas no disco de 2015, a chegada de uma aura afetiva relativa aos Beach Boys, ainda que isso não seja perceptível, ficando apenas nos detalhes microscópicos da coisa. E a fase dos meninos da praia escolhida por Jessica nem é a mais badalada, onde discos como “Friends” ou “20/20” ou “Light Album” têm mais importância do que “Pet Sounds”. É mais como se ela capturasse o olhar triste e fora de lugar que tomou conta da Califórnia pós-hippie, adentrando os anos 1970 e tendo que lidar com o fracasso das utopias, ficando apenas o amor pelo próximo e o senso de comunhão. É difícil de perceber, mas está lá.

 

Sendo assim, “Here In The Pitch” mostra essa artista em evolução. Aos 37 anos, é possível dizer que Jessica Pratt se tornou “grande”, pelo menos para os padrões em que começou, há doze anos. Novamente com canções extremamente bem escritas, com um canto cada vez mais sólido e cheia de confiança, ela segue tecendo esta teia de assuntos em que as molduras sonoras soam pertencentes a um outro lugar, um outro tempo, mas, de alguma forma mágica, também têm conexão total com o nosso 2024. Como o tema está na moda, é como se Jessica abrisse a porta para um metaverso em que essas sonoridades evoluíram e se desdobraram em estilos adjacentes, que se misturam sob sua batuta. Há espaço para falar de amor, celebrar uma mitologia californiana como o destino da humanidade se tudo tivesse dado certo e mais uma série de nuances que habitam o mesmo de variações do sol no céu. Seu ambiente mais confortável é a sutileza, o detalhe, o traço que quase passa despercebido e que exige atenção total, tempo total e paciência para que seja possível a extrema beleza penetrar na alma do ouvinte.

 

Assim como os outros álbuns, “Here In The Pitch” tem nove faixas. Deve ser alguma superstição, mas, além disso, tal número de canções, compostas e gravadas à moda de Jessica, proporciona um tempo total de menos de meia hora para cada disco, um intervalo que se mostra absolutamente perfeito. Logo de cara, em “Life Is”, o ouvinte se depara com um arranjo que soa como uma canção dos Beach Boys desacelerada, com um vocal totalmente diferente, mas inequivocamente inserida no contexto californiano do pop a que nos referimos acima. Os vocais de apoio, novamente os detalhes aqui e ali, tudo isso já avisa que estamos em um álbum de Jessica Pratt. “Better Hate”, logo após, evoca este pop solar sessentista só que reduzido aos que é absolutamente essencial – voz, teclado e guitarra, no caso – mas deixando a belezura da melodia transparecer. Em “World On A String”, novamente a progressão melódica ao violão e os vocais evocam um passado clássico que nunca aconteceu, uma elipse de sonho possível, alguma contradição que soa mais real que o cotidiano. Jessica avança pelas canções, soando meio Astrud Gilberto em “Get Your Head Out” e “By Hook Or By Cook”, que mais parecem aqueles standards em que a Bossa Nova e o pop californiano se encontravam nos anos 1960. Em “Nowhere It Was” ela volta para o clima noturno, ou melhor, noir, mas uma variação solar dele, se é que isso é possível. “Empires Never Know” é levada ao piano, melodia triste, cheia de cordas sutis, abrindo para “Glances”, uma bela e dedilhada quase-vinheta de um minuto e meio, chegando a “The Last Year”, outra melodia clássica e bela, com violões e progressão pop inequívoca.

 

Jessica Pratt é absolutamente consistente em sua carreira. Seus discos são momentos de rara beleza, de tempo suspenso e de possibilidades de sonhos melódicos intensos, com o bônus de tudo soar familiar e querido. Ela parece que nos conhece. Você precisa conhecer – e amar – Jessica Pratt. Rápido. “Here In The Pitch” já está na nossa lista de melhores discos de 2024.

 

Ouça primeiro: o disco todo.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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