Alfie Templeman amadurece em segundo – e ótimo – álbum
Alfie Templeman – Radiosoul
39′, 11 faixas
(AWAL)
Vamos esclarecer um ponto importante: o “soul” que o título deste álbum contém está no mesmo sentido que esteve em várias gravações legais de George Michael. Quando Alfie Templeman, 22 anos, a bordo de seu segundo trabalho, quer dizer que “está fazendo soul music”, significa que ele está assumindo uma maturidade natural como pessoa e artista e não que, digamos, ele está soando como Marvin Gaye ou Otis Redding, até porque, convenhamos, isso seria improvável. Mas, sim, Templeman está mais maduro e colocou na praça um disco repleto de ótimos momentos, sem qualquer canção desnecessária e, além de produzir e tocar a maioria dos instrumentos, bancou uma participação de Nile Rodgers, o que equivale a um carimbo de anuência daquele banco que não quer te dar empréstimo. Ainda que Nile tenha colaborado com inúmeros artistas ao longo de sua carreira, sua presença também não significa que há “soul music” por aqui. Mas, como dissemos, é aquele atestado de relevância e importância para um artista tão jovem e já tão promissor. Vamos então entender esse ótimo “Radiosoul”.
A verdade é que há uma tentativa de povoar arranjos com instrumental que tem influência de Prince, Michael Jackson e similares, mas acho que o George Michael pós-Wham e os melhores momentos da carreira de Robbie Williams seriam os alvos mais possíveis para Alfie acertar. Além disso, gente mais moderninha como MGMT e mesmo Dua Lipa serviram de inspiração. O que faz diferença por aqui é a ótima fornada de canções, mas já iremos falar delas mais pra frente. É importante notar que Templeman vem num ritmo frenético desde 2022, quando lançou seu segundo álbum cheio, “Mellow Moon”, sendo que, no ano anterior, ele estreiara a bordo de “Forever Isn’t Long Enough”, sempre num modelo Harry Styles de postura e abordagem. Tal ritmo intenso de criação – Alfie faz tudo sozinho, toca, produz, bate córner e cabeceia – mais uma doença pulmonar congênita fez com que as coisas se complicassem no final de 2022, levando o rapaz a se entocar, cancelar shows e se dedicar à composição durante o primeiro semestre de 2023.
Essa nova condição fez com que Templeman buscasse alguns parceiros para a produção e composição de faixas do novo trabalho. Além de Nile Rodgers, veio mais gente distinta como Justin Young (produtor, guitarrista e vocalista do The Vaccines), Dan Carey (que já produziu gente como Fontaines DC, Hot Chip), entre outros. Certamente a presença de gente nova e a troca de conhecimentos fez com que Alfie acertasse a mão em todas as faixas do álbum. Curioso notar que, justo nas canções em que não há um só elemento próximo do binômio soul/funk é que o rapaz se sai melhor, oferecendo um pop elegante, robusto e cheio de inspiração. São onze canções perfeitinhas, mas dá pra dizer que há quatro faixas que se destacam fortemente. “Vultures” é a primeira delas. Com ótimo trabalho de teclados e um clima que mistura o pop dos anos 1990 com citações neopsicodélicas, ela não faria feio num álbum atual do Tame Impala.
“Submarine”, oitava canção, é outro exemplo de pop, mas é totalmente solar e baseada num ótimo trabalho de guitarrinhas, sem falar nos ótimos vocais de Alfie, que evoluiu muito neste setor. “Switch” é o melhor momento de todo o disco, usando e abusando de um arranjo oblíquo e surpreendente, ela parece alguma canção perdida do início dos anos 2000, algo que poderia ser de gente tão distinta como MGMT ou Ed Harcourt ou similar, misturando influência beatle, tiques glam e ótimo uso do estúdio. É coisa de gente grande. E seu efeito é ampliado por vir colada com a última canção do álbum, “Run To Tomorrow”, que tem ótimo uso de beats eletrônicos e um arranjo pouco convencional, que mistura boas doses de eletrônica ao pop perfeitinho que Templeman pratica em “Radiosoul”.
É aquela história: Alfie Templeman não vai mudar o mundo com este novo álbum, mas, de degrau em degrau, ele vai consolidando seu nome e se tornando uma sombra para Harry Styles neste segmento pós-Robbie Williams do pop. Se eu fosse Harry, ficava ligado. Ótimo álbum, sem contraindicações.
Ouça primeiro: “Vultures”, “Submarine”, “Switch”, “Run To Tomorrow”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.