“Brat”, de Charlie XCX, vai além do marketing
Charli XCX – Brat
41′, 15 faixas
(Atlantic)
Todo o bafafá que “Brat”, novo álbum de Charlie XCX, está causando na Internet poderia jogar contra o próprio gol. Explico: o aviso da chegada do sexto trabalho na carreira da cantora e compositora inglesa antecipou um kit adjacente de informações. Além da música pura e simples, “Brat”, que significa “mimado”, “chatinho”, “pentelho” em inglês, deveria conter canções em homenagem à vida clubber, às raves e à toda essa cultura noturna e jovem, que teve início lá pelos anos 1990 e vem num sólido revival na Inglaterra multicultural de hoje. Além disso, Charli deu declarações aqui e ali sobre este conceito que as canções trazem, encarnando uma espécie de personagem que tem a ver com o título do álbum. Tudo isso poderia fazer com que as próprias faixas ficassem em segundo plano, mas não. Como artista talentosa que é, ainda que careça um pouco de personalidade, Charli consegue fazer um bom disco, bem amarrado e que alimenta de informações uma base de fãs ruidosa, ansiosa por colocar seu objeto de idolatria numa primeira prateleira pop do mundo. Será que conseguiram?
Para citar outras duas figuras fortes do pop mundial, acho que “Brat” não faz feio se comparado aos trabalhos mais recentes de Billie Eilish e Dua Lipa, soando ligeiramente inferior a eles. Musicalmente é uma criatura totalmente distinta, com quase a integridade de canções voltadas para a pista de dança e a ferveção eterna decorrente disso. O interessante é que esta orientação e a tal atitude mimada, sebosa adotada pela moça não deveriam fazer tanto barulho assim, mas, na última semana, “Brat” se tornou mania na Internet. Vários avatares de influenciadores digitais incorporaram a cor verde limão da capa do álbum, inclusive marcas como Coca-Cola e Burger King andaram brincando com isso. Os fãs de Charli também fizeram campanha nas redes para que o álbum entrasse em trend topics aqui e ali e o resultado comprovou a força renovada que a cantora adquiriu nos últimos tempos.
Charli XCX faz pop alternativo. No trabalho anteior, “Crash”, de 2022 – melhor que este “Brat” a meu ver” – ela apareceu como se estivesse com escoriações e encarnando uma persona mais sexy e fatal. Agora, além da aura “brat”, incorporada ao personagem que assumiu, Charli brinca com as “it girls”, artistas, atrizes, cantoras femininas do momento, que geram algum tipo de influência nas audiências online, claro, se assumindo como uma delas. Ou seja, “Brat” é quase um álbum que só existe por conta de todo o aparato tecnológico de difusão de assuntos e informações. A qualidade das canções, no entanto, diz o contrário. Tem muita coisa boa no meio das quinze faixas do álbum, produzidas pela artista e mais uma galera, como é usual no pop presente. E a tal aura clubber faz parte indissociável da maioria da canções.
“Von Dutch”, com seus sintetizadores marcantes, já conquistou os DJs do hyperpop e promete se tornar figurinha carimbada nas casas noturnas. A hedonista “365” tem tudo para seguir o mesmo caminho. Metade do álbum traz músicas que remetem ao som pulsante de clubes underground. Contudo, em outros momentos, Charli XCX vai além da persona de it girl, se abrindo sobre as inseguranças que esconde por trás dessa imagem. O disco também reflete o luto pela perda da amiga e colaboradora Sophie, e expõe os conflitos da artista em relação à maternidade. Esses temas mais introspectivos caminham lado a lado com instrumentais um pouco mais suaves, como a bonitinha “So I”. Mas o forte por aqui é mesmo o batidão plásticos para as pistas e, além das já mencionadas “Von Dutch” e “365”, Charli faz bonito em “B2b”, “360” e “Club Classics”, sem falar na identitária “Mean Girls”.
Por mais que soe meio forçado, “Brat” tem luz própria. Como dissemos, está atrás do que Dua Lipa e Billie Eilish fizeram em seus álbuns, mas tem condições de sair na foto junto com eles. Já é um baita feito.
Em tempo: os fãs paulistas poderão ver Charli no dia 22 de junho, quando ela fará uma apresentação no formato DJ Set, com músicas pré-gravadas, mas mixadas ao vivo. O evento vai acontecer no ZIG Studio, boate na Barra Funda, na capital paulista.
Ouça primeiro: “Von Dutch”, “365”, “B2b”, “360” e “Club Classics”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.