Thom Yorke – ANIMA

Gênero: Rock alternativo, eletrônico
Duração: 47 min
Faixas: 9
Produção: Thom Yorke e Nigel Godrich
Gravadora: XL Recordings

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Você tá feliz? Tá tendo um bom dia? Sua vida vai bem? Então, pense bem antes de mergulhar neste novo trabalho solo de Thom Yorke. Não que “ANIMA” seja seu compêndio de músicas mais depressivas – não é – mas aqui ele faz uma reflexão ainda mais pessimista do nosso tempo, das nossas coisas e sobre como chegamos até este ponto. A gente sabe: o mundo está péssimo, em vários sentidos. Nada mais justo que Thom fale sobre isso, logo ele, que canta esta pedra desde meados dos anos 1990, quando nossos problemas realmente chegaram a um ponto insustentável e o mundo, como o conhecíamos, acabou. Sendo assim, em 2019, estamos num cenário equivalente em metáfora ao das sequências de devastação de “O Exterminador do Futuro” – que está perigosamente perto, é ali em 2032.

 

Temos então “ANIMA”. Chegou com pompa e circunstância, à la Black Mirror. A divulgação do trabalho incluiu colocar posters no metrô londrino, falando sobre uma tal “câmera dos sonhos”, vendida por uma estranha Anima Corporation. E os cartazes tinham um número de telefone. Pessoas, claro, ligaram pra lá e deram de cara com mensagens cifradas e pistas de quebra-cabeça. A proposta era um dispositivo que oferecia a chance de mapear e recriar sonhos, mas também advertia para a possibilidade de dar de cara com pesadelos sinistros. O fato é: Yorke ganhou ainda mais a atenção do público e teve no cineasta americano Paul Thomas Anderson um parceiro. PTA dirigiu um filme homônimo do disco, que está na Netflix, mostrando cenas da modernidade com sonorização de algumas faixas do álbum. Tudo bem enigmático.

 

A verdade é que o Radiohead definiu um caminho só seu para a música eletrônica destes primeiros anos de século 21, a saber, a partir de “Kid A”, lançado em 2000. Os discos solo de Yorke são descendentes diretos destes parâmetros e, para usar um belo termo da crítica musical gringa, constituem “dance musica left-to-the-centre”, algo como “música dançante de esquerda”, vanguardista, com origens nos clubes underground e conectadas com inequívoca modernidade. Isso é legal. Se você pensa que música sintética é sinônimo de garotos como David Guetta ou algo assim, o que existe aqui é quase a revelação da Matrix.

 

“ANIMA” está longe de ser um disco fácil. E nem é este o seu propósito. Suas nove faixas são abstratas, cheias de beats fluidos e estranhos, sintetizadores que brincam de esconde-esconde com o ouvinte e parece ser feito num laptop. Dá pra destacar em meio ao caos distópico-tecnológico proposto, “Traffic”, cheia de batidas e drones de guitarras que vão se sobrepondo; “The Axe”, oblíqua e hipnótica e a última faixa, “Runwayaway”, que conjura batidas e utiliza a guitarra de uma forma mais convencional, criando falsa impressão de linearidade, compensando na esquisitice com cascatas de vocais e sintetizadores que parecem saídos do mesmo lugar.

 

“ANIMA” é estranho, como é Yorke e todo o seu trabalho dentro e fora do Radiohead. Ele é um artista que se vale disso para retratar os nossos tempos e a nós mesmos, ousando fazer música anti-música às vezes. Não é o caso de “ANIMA”, que tem a pinta de ser um desses álbuns que cresce à cada audição. Seu melhor trabalho solo e a melhor música à la Radiohead lançada desde “In Rainbows”, há 12 anos.

 

Ouça primeiro: “Traffic”.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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