Marcos Valle – Sempre

Gênero: Pop, funk, jazz
Duração: 66 min.
Faixas: 11
Produção: Marcos Valle e Daniel Maunick
Gravadora: Far Out Records

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

Marcos Valle é um dos mestres da Bossa Nova, mas ele nunca foi “apenas” isso. Sua carreira nos anos 1970 sofreu uma mutação estética e incorporou elementos da música pop americana, especialmente do AOR e do funk e tornou-se algo único dentro dos parâmetros brasileiros. Sendo assim, Marcos pode contar, por exemplo, com “Samba de Verão” e “Estrelar” em seu currículo, dois hits impressionantes e muito, muito diferentes entre si. Sendo assim, Valle é muitos ao mesmo tempo e “Sempre” é um disco que privilegia largamente esse artista com musicalidade funky, jazzy e, ao mesmo tempo, extremamente brasileira/carioca. É uma festa para admiradores de sua fluência como músico e como arranjador/produtor. Também funciona como uma espécie de ensaio sobre um Rio de Janeiro harmonioso e pós-Bossa Nova, que, infelizmente, nunca existiu.

 

Entrevistei Marcos Valle há pouco tempo (leia aqui) e ele disse que não tinha medo de remixes, versões alternativas e demais itens da cultura da pop music pós-anos 1970. “Sempre” é um disco perfeito para este tipo de abordagem, tanto que Valle já oferece as versões instrumentais de duas faixas – “Alma” e “Minha Romã” – lá no fim do tracklist, mostrando que o renascimento experimentado por ele nos anos 1990, via cena acid funk londrina, é uma parte importantíssima de sua carreira, talvez mesmo uma nova mutação estética. Não espanta que o selo Far Out Records, responsável direto por isso, esteja novamente assinando o lançamento no exterior. Com Valle está um representante de outro renascido do período, o grupo tijucano Azymuth, cujo baixista, Alex Malheiros, o acompanha em “Sempre” e, junto com gente como Armando Marçal, Jesse Sadock e o co- produtor Daniel Maunick, fornece a base jazz/funk necessária para que as faixas soem como verdadeiros colossos de groove. É uma festa para os ouvidos.

 

“Sempre” é um disco feito para ouvir dançando ou dançar ouvindo. Tem riqueza instrumental de sobra, mas tem belas composições também. São faixas longas, quase na faixa dos seis minutos, sem pressa para chegar ao fim. São híbridos da estética dançante de grupos como Chic ou artistas como Donald Byrd, fluentes em batidas e fraseados de baixo/guitarra que não deixam nada a dever ao melhor da produção americana clássica. Canções como “É Você”, por exemplo, trazem influências gringas em abundância, mas exibem um inegável imaginário carioca do fim dos anos 1970, como se o fantasma de Lincoln Olivetti estivesse dançando no estúdio. Assim também é com “Odisseia”, um monstro dançante de nove minutos de duração, que parece faixa dos discos setentistas do Azymuth, que estão no inconsciente coletivo de toda uma geração de ouvintes. Outro destaque absoluto, que empresta fraseados de jazz, é “Vou Amanhã Saber”, que tem cara de noite de um verão ideal.

 

Outra maravilha presente aqui é a instrumental “Distância”, mais próxima do terreno das baladas, mas com um arranjo que se esbalda em sintetizadores e programações de bateria intencionalmente datadas, fornecendo uma aura vintage sensacional. Destaque também para a versão definitiva para “Aviso Aos Navegantes”, uma das últimas composições realmente interessantes de Lulu Santos, transformada aqui em uma aula de seis minutos de groove e jazz/funk para as massas. Como se não bastasse tudo isso, Valle ainda coloca versos de indignação com o momento do país em quase todas as letras do disco, mas é na faixa de abertura, “Olha Quem Tá Chegando”, que isso fica mais claro: “olha quem tá levando aquilo que é teu, malandro quer levar, malandro quer ficar, ele não quer ir embora, mas
ele manda pra fora o que tem/tá cheio de malandro que fica te enganando, falando em família, malandro em quadrilha, como tem”.

 

“Sempre” é um clássico instantâneo e um dos melhores discos da carreira de Marcos Valle, podem acreditar.

 

Ouça primeiro: Odisseia

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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