Stranger Things 3 – Veredito

 

Terminei de ver a terceira temporada de “Stranger Things” e achei a melhor feita até agora. Mas ainda continuo com alguns problemas em relação à série criada pelos Duffer Brothers, talvez porque eu seja, de fato, um ex-adolescente dos anos 1980. Em 1985, ano em que se passa a trama, eu tinha exatamente a mesma idade dos moleques que compõem o elenco principal de “Bagulhos Sinistros”. Lembro bem que muita coisa era bem diferente do que a série mostra. Além disso, continuo achando que as tramas são esticadas ao máximo, configurando, muitas vezes, em problemas de ritmo de um episódio para outro: em alguns falta tempo pra tanta informação; noutros, há quase uma sonolência para cumprir o tempo protocolar. Vamos ver o que tornou esta temporada a melhor das três já feitas.

 

Em primeiro lugar, é preciso que se diga: esta é uma temporada em que as personagens femininas dão um verdadeiro banho nos homens. Talvez a única exceção a esta regra seja Hopper, que tem papel de protagonismo, seja como agente da lei em Hawkins, seja como pai adotivo de Eleven. Talvez Dustin e Steve tenham suas melhores temporadas, justo porque passam a maior parte do tempo interagindo com outros personagens. Fora isso, Eleven, Max, Erica, Joyce e a surpreendente Robin, vivida por Maya Hawke, dão um verdadeiro banho, seja em composição e informação, como em atuação. Maya, que é filha de Uma Thurman e Ethan Hawke, é um verdadeiro achado, cheia de bom humor e com profundidade surpreendente, algo que fica evidente no fim da temporada. Já Erica, irmã de Lucas, tem um espaço muito maior e evolui graciosamente ao longo dos oito episódios, chegando grandiosa ao final.

 

Outro fator interessante por aqui é a inserção de um pano de fundo com acenos à Guerra Fria, que estava em seu declínio à época. Isso mesmo: teremos uma conspiração soviética inserida na habitual trama de terror sobrenatural clássica de Stranger Things. Quando li isso, logo imaginei que seria o fim da série, mas tudo é colocado de modo relativamente convincente e bem amarrado dentro do arco principal da série, não chegando a incomodar o espectador. O único problema é a velha estereotipagem dos russos, sempre toscos, bêbados, fumantes e cruéis, contrastando com a coolzice total dos ianques. Aqui, sinceramente, não dá pra saber se isso é intencional – homenageando as produções da época em que se passa a ação – ou se se é uma derrapada dos roteiristas. Mesmo assim, não chega a atrapalhar. Falando em produções da época, esta temporada segue com sua tradicional reverência aos produtos culturais dos anos 1980, desde menções/homenagens explícitas a filmes como “Exterminador do Futuro”, “De Volta Para O Futuro”, “Dia dos Mortos”, como a canções, tanto na trilha sonora, quanto no próprio roteiro dos episódios. Não darei spoiler, mas adianto que a canção-tema de um filme da época tem papel especial em algum ponto da trama.

 

O principal problema de “Stranger Things” continua presente. Sei bem que a série tem como objetivo principal retratar os anos 1980 como uma espécie de apogeu da cultura ocidental. Se pensarmos pela ótica anglo-americana, de fato, aquele tempo significou um protagonismo cultural inegável para Estados Unidos e Inglaterra. Foi o tempo do neoliberalismo posto em prática, dos yuppies, da cultura pop massificada e gerando lucros astronômicos, da derrocada soviética/socialista como experiência de governo e da consolidação da mídia como uma força planetária de manutenção/sustentação ideológica de poder. Claro, a série não pretende mostrar nada disso, mas a exuberância comercial/cultural simbolizada pelo shopping center recém-instalado em Hawkins, mostra bem como este domínio – que segue até hoje – se estabeleceu. Sem falar que, para quem estava vivo naquele tempo, os anos 1980 foram interessantes, sim, mas são extremamente superestimados por quem veio pouco depois. Nada pessoal, apenas a verdade.

 

“Stranger Things”, mesmo sendo entretenimento “inocente”, segue esta tendência cultural de valorizar e reempacotar este período de tempo, mantendo-o vivo e ressignificado nas mentes dos mais jovens. Ao seu lado, a música, os filmes recriados, a vida em looping e tudo mais. O problema – para eles – , sorte para nós, é que não temos mais 14/15 anos e podemos perceber o verdadeiro Devorador de Mentes à espreita. Deixando essas considerações mais “sérias”, os oito episódios da terceira temporada de “Stranger Things” são diversão garantida. Vão na fé.

 

 

Elenco:

Winona Ryder como Joyce Byers
David Harbour como Jim Hopper
Finn Wolfhard como Mike Wheeler
Millie Bobby Brown como Jane Ives/Onze
Gaten Matarazzo como Dustin Henderson
Caleb McLaughlin como Lucas Sinclair
Noah Schnapp como Will Byers
Sadie Sink como Maxine “Max” Mayfield
Natalia Dyer como Nancy Wheeler
Charlie Heaton como Jonathan Byers
Joe Keery como Steve Harrington
Dacre Montgomery como Billy Hargrove
Maya Hawke como Robin
Priah Ferguson como Erica Sinclair
Cara Buono como Karen Wheeler

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Stranger Things 3 – Veredito

  • 18 de julho de 2019 em 08:58
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    Verdade, a Nancy evoluiu de patricinha pra atiradora durona. 🙂

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  • 18 de julho de 2019 em 00:29
    Permalink

    Análise prefeita! Faltou apenas citar Natalia Dyer (Nancy) como um dos grandes destaques femininos desta temporada, em relação não apenas à atualão como ao crescimento do papel da personagem durante os oito atuais episódios.

    Resposta

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