Ringo Starr retoma sua persona country após cinco décadas
Ringo Starr – Look Up
37′, 11 faixas
(Universal)

Lembro de me espantar ao ler em algum veículo de (des)informação nacional uma notinha sobre o lançamento de “Look Up”, novo álbum de Ringo Starr. A “informação” do novo trabalho mostrava espanto pelo fato de Ringo fazer uma incursão pelo terreno da country music como se fosse algo absolutamente inédito e surpreendente. O ex-baterista dos Beatles sempre foi um fã declarado do estilo, interpretou uma cover do superstar country Buck Owens (“Act Naturally”) em “Help”, de 1965 e, já no seu segundo álbum solo, “Beacoups Of Blue”, lançado há quase cinquenta e cinco anos, homenageava o country de forma integral. A despeito da falta de conhecimento sobre o artista, e acima de qualquer estilo musical em especial, Ringo é Ringo e, a cada disco que ele lança, paira a sensação de que, segundo o senso comum altamente equivocado, estamos diante de um “artista inferior”. Se compararmos o trabalho de Starr com os outros ex-Beatles, veremos que, sim, ele não tem as mesmas habilidades, mas seria uma injustiça com ares de burrice pensar em Ringo como alguém que não deve ser levado em consideração. Em vários momentos de sua carreira, seja solo, seja com a All Starr Band, especialmente dos anos 2000 em diante, ele se tornou um prolífico artista, cheio de álbuns, shows e EPs. E este “Look Up” surge como sequência natural desta ótima fase.
Ringo encomendou ao produtor T-Bone Burnett uma fornada de canções para que lançassem um EP em colaboração. Fez o pedido e foi tocar a vida. Qual não foi sua surpresa quando Burnett lhe retornou o contato dizendo que havia composto “várias canções” e que estava realmente inspirado. Ringo, boa praça universal, então aproveitou a chance e disse que poderiam fazer, não um EP, mas um álbum. Burnett topou na hora e assim “Look Up” ganhou a forma final, com onze faixas. Como Ringo nunca foi um excelente cantor, seu jeito de interpretar diversas canções – country ou não – gera uma identificação poderosa com todo mundo que não tem esmerada técnica vocal. Além – e por – isso, as canções de Ringo vão para um patamar “mais humano” do que a maioria das obras por aí e ele não faz a menor questão que isso seja diferente. Sendo assim, quando ele aborda a country music, um estilo que abarca as pessoas mais comuns, o efeito é duplicado. Some-se a isso a carga Beatle inevitável e temos aí um forte elemento de fascínio sonoro para fãs e curiosos.
Ringo segue com os mesmos prós e contras. Sua voz é a mesma dos últimos anos – forte e adaptada – e Burnett, que é ótimo produtor, se sai muito bem na ambientação sonora e propõe arranjos que variam do country mais tradicionalzão a canções mais roqueiras e até psicodélicas, nas quais o álbum atinge seus melhores momentos. Billy Strings e Molly Tuttle, dois cantores de bluegrass, aparecem em várias faixas de “Look Up” e ajudam a colorir esses arranjos com backing vocals e guitarras. Molly inclusive divide os vocais principais com Ringo em “Can You Hear Me Call”. Além deles, duas duplas femininas, Larking Poe e Lucius, também aparecem em vários momentos e, para coroar esse time de convidados, a sensacional Alison Krauss surge na canção de encerramento, “Thankful”, que tem uma sonoridade que lembra o Mudcrutch, a banda inicial de Tom Petty. Krauss harmoniza muito bem com Ringo, num exercício de sutileza e belezura.
Além da lindeza de “Thankful”, há outras três ótimas canções por aqui. “Look Up”, a faixa-título, tem guitarras mais pronunciadas e o contraponto de Ringo com a voz de Molly Tuttle gera um ótimo efeito. Em “Rosetta”, com guitarras mais psicodélicas, andamento em câmera lenta e vocais suspensos no ar – cortesia de Billy Strings – o álbum atinge seu ponto mais alto. E ainda tem a tradicionalzona e cuca fresca “You Want Some”, que tem um andamento mais relaxado e traz um bom humor malandro que sempre caiu muito bem em Ringo desde priscas eras. São 37 minutos e cuca fresca, com cabelo ao vento, sem pensar em nada que traga preocupação. Já é bastante.
Ouça primeiro: “Rosetta”, “Thankful”, “You Want Some”, “Look Up”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.