Novo álbum do Fruit Bats é praticamente perfeito

 

 

 

 

Fruit Bats – A River Running To Your Heart
34′, 11 faixas
(Merge)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Eu não sei vocês, mas eu sou fã da série “What’s In My Bag”, do canal da Amoeba Records, no Youtube. A ideia é genial: trazer artistas de diferentes dimensões da música pop e perguntar a eles o que levariam das estantes da enorme loja de discos de Hollywood, Los Angeles. Se você gosta de música e ainda não viu um desses vídeos, peço que clique neste link aqui e vá se divertir. Eric D.Johnson, mente pensante do Fruit Bats, foi convidado para um desses vídeos há cerca de um ano e, em meio a escolhas meio esquisitas, ele sacou “If I Could Only Remember My Name”, a estreia solo de David Crosby, lançada em 1971. E contou uma história sobre sua relação com o álbum: “sempre que eu vejo uma cópia deste disco, eu compro – desde que esteja em bom estado e custando até nove dólares. É o álbum que eu costumo dar de presente para amigos que gostem de música, porque é impossível não gostar desse disco do Crosby”. Uma pessoa com esta visão de mundo e de vida merece a nossa atenção, certo? E nem precisaria desta história, a música de Eric faz com o nome de Fruit Bats fala por sí. Este belo e singelo “A River Running Through Your Heart”, seu décimo álbum, é uma inesperada aula de melodia e simpatia em tempos tão bicudos.

 

 

A música que caracteriza o Fruit Bats é, essencialmente, delicada. Não há um desejo por parte de Eric em colocar camadas de guitarras ou efeitos eletrônicos que sugiram peso ou algo que não seja suave. Ele consegue ótimos resultados e, ao mesmo tempo, escapa de qualquer armadilha que sugira uma alienação em relação ao nosso tempo. Parece que ele e sua música habitam um lugar a salvo dessa dureza cotidiana e, como se fosse um Shangri-lá qualquer, está lá, aguardando a nossa chegada. É recompensa certa para quem se inicia na audição dos trabalhos do Fruit Bats esta contemplação com a overdose de melodias belas e bem pensadas que Eric cria sem nem parecer notar. Tem muito de folk dos anos 1970, um pouco de Neil Young em seus momentos mais doces, mas tem essa resistência cotidiana a tudo que pode adquirir ares tristes. E, por conta da ressaca da pandemia, o Fruit Bats caprichou especialmente em um detalhe, digamos, mais leve que o ar: a sensação de união e pertencimento que estas canções transmitem.

 

 

Como bom melodista e compositor que é, Eric Johnson consegue fazer alguém que mora em Niterói sentir-se à vontade com a letra e a vibração de “Tacoma”, canção que tem o nome de uma cidade do estado de Washington como título. Esta é uma tradição da boa música pop, a de suspender fronteiras, mas é algo cada vez mais raro. Ele consegue o mesmo efeito com “Waking Up In Los Angeles”, canção que vem logo em seguida. O álbum abre com uma introdução atmosférica de 50 segundos, “Dim North Star”, que se conecta automaticamente à bela “Rushin ‘River Valley”, que vem logo em seguida, criando uma sinergia perfeita para iniciar os trabalhos. Esta canção, o primeiro single lançado, tem uma aura particularmente alegre, que funciona para dar o tom do que está por vir.

 

 

“See the World By Night” nos leva para estrada com Eric Johnson, olhando para trás, de onde viemos e ao redor do mundo ao nosso redor. Se este álbum faz você se imaginar fazendo uma viagem saindo de sua cidade natal, essa música marcará o momento em que você atingir seu primeiro trecho da rodovia. “We Used to Live Here”, ainda que tenha uma certa tristeza implícita em seu título, tem uma levada mais próxima do folk tradicional, mas não se deixa cair na vala da mesmice nostálgica, funcionando como um chamado para irmos em frente a partir do que já aconteceu e não volta mais. A já citada “Waking up in Los Angeles” se mostra como uma canção de verão, cheia de bons ganchos melódicos e um arranjo convencional de banda que deixa a melodia respirar e cativa até o mais emburrado dos ouvintes. Perto do fim do álbum, uma canção linda e climática se esconde: “Meridian”, completamente diferente do restante, abstrata, noturna, linda. E o encerramento vem com a fofa “Jesus Tap Dancing Christ”.

 

 

Cada música deste álbum é memorável. Está no verbete do jamais escrito Manual dos Bons Discos, que fala dos “pequenos grandes discos”. É um álbum de idas e vindas, magnificamente escrito e cheio de melodias que vão fazer o ouvinte se sentir suspenso no tempo. Hoje em dia, que disco consegue fazer isso com a gente? Ouça ontem.

 

 

Ouça primeiro: “Meridian”, “Tacoma”, “Waking Up In Los Angeles”, “See The World By Night”, “Rushin’ River Valley”, “It All Comes Back”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *