Polêmica eterna: Qual Genesis é melhor?

 

 

Uma notícia bacana foi divulgada ontem, dia 03 de março: o Genesis, trio formado por Phil Collins, Mike Rutherford e Tony Banks, anunciou que voltará aos palcos para uma turnê britânica este ano. Será a primeira vez em 14 anos que a banda se apresenta ao vivo. Com esta novidade – previsível, é verdade – reacendeu-se uma das polêmicas mais chatas do chamado classic rock: qual Genesis é melhor? A partir do anúncio da nova turnê, uma série de pessoas se manifestou nas redes sociais, dizendo que “o verdadeiro Genesis é com Peter Gabriel e Steve Hackett”, cantor e guitarrista da fase progressiva do grupo, encerrada entre 1974 e 1977, ou seja, há mais de quarenta anos. Vamos destrinchar um pouco dessa chatice.

 

Peter Gabriel gravou seu último álbum com o Genesis em 1974, o conceitual e sensacional “The Lamb Lies Down On Broadway” e deixou a banda no ano seguinte. A ideia era seguir numa carreira solo, uma vez que o grupo tinha discussões homéricas sobre processo criativo e limites para a atuação de Peter como vocalista e frontman. Suas performances teatrais e seu gosto crescente por música eletrônica/étnica não se encaixavam na proposta progressiva do Genesis. Com Gabriel fora e ainda com Hackett, o grupo lançou três discos: “A Trick Of The Tail” (1975), “Wind And Wuthering” (1976) e o duplo ao vivo “Seconds Out” (1977), mostrando a turnê do Genesis com Phil Collins nos vocais principais, Chester Thompson como baterista de apoio e o próprio Hackett, em seus últimos shows. A partir do álbum seguinte, “And Then They Were Three”, de 1978, o Genesis confirmaria seu encolhimento para três integrantes e optaria por uma música mais próxima do pop rock.

 

Aí está a questão. Nenhuma banda progressiva da época manteve sua sonoridade intacta. Muitas embarcaram neste flerte com o pop – quase todas – e se saíram bem – Moody Blues e Pink Floyd – ou mal, caso de Yes ou Emerson, Lake And Palmer. O fato é que a mudança sonora é um traço da época, do fim dos anos 1970, quando a própria ideia de pop foi afetada pelo movimento punk, pela disco music e pela new wave, além da própria música eletrônica, que chegou como ferramenta de estúdio ou mesmo como parte integrante do processo criativo dos artistas. O Genesis abraçou a sonoridade que o consagraria nos anos 1980, muito por conta da importância crescente que Phil Collins passou a ter. Fluente na bateria, no piano e fã de soul music dos anos 1960, Collins era um cara com muito a acrescentar em termos de composição e execução.

 

É verdade que ele passou a ter um status de superestrela mundial a partir de 1984, quando gravou seu single “Against All Odds”, mas, entre 1978 e 1983, o Genesis lançou discos híbridos, que ainda continham complexidades oriundas do progressivo e mandamentos de fluência pop, caso específico de “Duke”, seu ótimo trabalho de 1980 ou do álbum homônimo de 1983, puxado pela canção que exorcizava um dos vários divórcios de Collins, “That’s All”. Além disso, desde 1978 a banda teve a capacidade de emplacar ótimos singles, caso da balada “Follow You, Follow Me”, sucesso por aqui na trilha sonora internacional da novela Dancing Days ou da ótima “No Reply At All”, na qual o Genesis recebeu a participação do naipe de metais do Earth, Wind And Fire, presente em “Abacab”, álbum do grupo de 1981.

 

Enquanto isso, Collins – e quase todos os outros membros e ex-membros do Genesis – iniciaram suas carreiras solo. Seu primeiro disco, “Face Value”, de 1981, é estranho e conta com Peter Gabriel como convidado. Tem desde cover de Beatles (“Tomorrow Never Knows”), colaboração com os companheiros de banda – “Behind The Lines”, um hit estranho – “I Missed Again” e um megahit improvável, a climática e estranhíssima “In The Air Tonight”. A partir daí, ele deixaria a complexidade progressiva remanescente de lado e embarcaria nos sons mais pops em seus discos subsequentes, cravando um belo sucesso com “I Cannot Believe It’s True”, do disco seguinte, “Hello I Must Be Going”, do ano seguinte. A partir daí, a transição musical do grupo estava consolidada.

 

Enquanto isso, Peter Gabriel e Steve Hackett também embarcaram em carreiras solo. A do ex-vocalista ganhou status e importância diferentes em relação aos trabalhos do guitarrista, justo porque seus álbuns cumpriram com as expectativas de abraçar uma musicalidade tão complexa quanto a progressiva, mas muito mais atual em termos de misturas, fusões e uso da eletrônica. Gabriel teve em “Biko”, canção-libelo contra o apartheid sul-africano, um grande marco de sua música e do que ele faria a partir dela. Seu sucesso mundial veio tarde, em 1986, quando lançou “So”, um disco que emplacou três sucessos mundiais, em ordem crescente de importância, “Don’t Give Up”, dueto com Kate Bush; “Big Time” e “Sledgehammer”, todas com clipes marcantes, demonstrando fluência em termos e tempos de MTV. Este também foi o ano do Genesis soltar seu disco “Invisible Touch”, de longe seu trabalho mais bem sucedido em termos de venda e visibilidade. E a carreira solo de Phil Collins também seguia, o que causou uma overdose de exposição do baterista e vocalista do grupo.E aí está o chamado pulo do gato.

 

Phil Collins se tornou uma improvável megaestrela do pop mundial por volta de 1985/86. Neste tempo ele era um cara com cacife maior do que gente como George Michael e Elton John, por exemplo. Podia ser comparado em alguns aspectos a Madonna e Michael Jackson, mesmo sendo um sujeito baixinho e careca, metido a engraçado. Esteve no topo das paradas mundiais com “Easy Lover”, baita canção em dueto com Phillip Bailey, do Earth, Wind And Fire e era capaz de compor tanto baladonas – “One More Night” – como canções soul plásticas – “Sussudio” – e arrebatar multidões com ambas. Também dominou a linguagem dos clipes logo e emprestou isso para o próprio Genesis, que fez bonito com “Land Of Confusion”, por exemplo, que foi um dos singles de “Invisible Touch”. Mas era o rosto simpático de Collins que estava à frente de tudo, da banda, dos clipes, das capas. Logo, o ouvinte de música daquele tempo tem duas carreiras com Collins, a solo e a do Genesis, o que gerou uma saturação natural. Enquanto isso, Peter Gabriel desfrutava de seu status recém-adquirido de grande estrela pop e por meio de uma sonoridade bem mais complexa do que a ex-banda. Deu no que deu.

 

O Genesis ainda lançaria dois discos de estúdio: o bom e subestimado “We Can’t Dance”, de 1991 e o execrável “Calling All Stations”, sem Phil Collins, de 1996. Phil também manteria sua carreira solo, assim como Peter Gabriel, Mike Rutherford – que liderou o ótimo combo pop Mike And The Mechanics – e o próprio Tony Banks, que tem trabalhos sinfônicos obscuros lançados. A sonoridade da banda mudou ao longo do tempo, claro, mas não dá pra se perder nesse tipo de discussão tantos anos depois. O grupo tem uma fase progressiva que durou menos tempo do que sua fase pop, o que permite, em termos matemáticos, dizer que o Genesis é mais um grupo pop do que progressivo, mas isso seria ignorar a importância de trabalhos como o próprio “The Lamb Lies Down On Broadway”, além de “Selling England By The Pound” (1973) e “Foxtrot” (1972). Mas não dá pra desprezar os já citados “Duke” e o disco homônimo de 1983, ambos com belos momentos como “Duchess” ou “Home By The Sea”.

 

Em vez de ficar num Fla x Flu doméstico, no qual há os fãs de Phil Collins de um lado e os detratores de Phil Collins do outro, por que não celebrar a volta do trio e a perspectiva de uma colaboração futura? Todos estão na faixa dos 69-70 anos e mantem relacionamento amigável e colaborativo. Pessoalmente, enxergo Peter Gabriel muito maior que o Genesis pós-1978 em termos artísticos, mas não consigo desprezar a obra de Collins à frente do grupo e talvez ache que minhas favoritas da lavra da banda sejam a versão ao vivo de “I Know What I Like”, contida no “Seconds Out”, “No Reply At All” (1982) e “Duchess” (1980), com “Follow You Follow Me” correndo por fora. E também não consigo desprezar a carreira solo de Collins, que tem ótimos hits e discos interessantes, pelo menos até “Both Sides”, de 1991.

 

Sendo assim, pare de mimimi, enxergue o ótimo quinhão de pop, rock e progressivo que o Genesis e seus integrantes, juntos ou solo, te oferecem desde meados dos anos 1970 e celebre a volta dos caras. Não seja um chato de galochas.

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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