Melenas – Dias Raros

 

 

Gênero: Rock alternativo, shoegaze

Duração: 36 min.
Faixas: 11
Produção:  Melenas
Gravadora: Trounble In Mind

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

Pamplona é a capital da província autônoma de Navarra, no norte da Espanha. Se me perguntassem há alguns dias qual a imagem que eu relaciono à cidade, diria que é a de pessoas correndo pelas ruas, perseguidas pelos touros, que são soltos anualmente pelas ruas estreitas. Agora posso dizer que Pamplona significa “terra do quarteto Melenas”, quatro garotas que poderiam ser algo como um Stereolab enguitarrado, mas que são hábeis e talentosas o bastante para merecer descrição sem outra banda como parâmetro. Melenas é um grupo que pratica um híbrido muito legal de rock sessentista – no sentido The Doors do termo -, twee pop – aquelas sonoridades doces e felizes – e shoegaze, aquela gente que tocava no início dos anos 1990 olhando para o próprio pé. Com essas três linhas de orientação, as meninas estão lançando um belíssimo segundo álbum, “Dias Raros”.

 

Formadas por Oihana (Guitarra y voz), María (Teclado), Leire (Baixo e voz) e Laura (Batería), as Melenas estão juntas desde 2016 e são um sopro de ar puro nos ouvidos, especialmente porque dão novas possibilidades ao shoegaze por conta dos vocais em espanhol e, especialmente, pelo uso dos teclados. Maria dá uma tonalidade estritamente sessentista e usa timbres de órgão para pontuar a melodia das canções, que podem ser rapidinhas, mas geralmente derivam para o midtempo e alguns momentos de real introspecção, oferecendo climas belos, que podem resvalar para algo de garage rock ou psicodelia sutil.

 

As meninas também têm a manha para compor belas canções. Os arranjos oferecem surpresas consideráveis ao ouvinte, sobretudo quando elas misturam as influências e criam híbridos. Algumas faixas, inclusive, dão vontade da gente ir morar nelas. É o caso da soberba “En Madrid”, um épico de bolso, com guitarras no túnel de vento e uma melodia belíssima, em que os efeitos de pedais e o ritmo supersônico dão origem a uma das canções mais bonitas que ouvi em 2020. Por trás de tudo, o teclado de Maria faz peripécias e fornece sustentação necessária, funcionando como o rejunte deste piso. A melancolia sazonal também está presente, mas chega sob a forma de uma pop song dourada, chamada “Ya No Es Verano”, uma lindeza enguitarrada com entrelaces e ótimos vocais sobrepostos.

 

“No Puedo Pensar” e “Ciência Ficción” são outras lindezas que surgem sob a forma de hit pós-punk oitentista, uma mistura de Cure com My Bloody Valentine, coisas lindas de se ver e amar. A estrutura sessentista de pop perfeito também está em “29 Grados”, com bons vocais de apoio e ótimas guitarras. Provando que também sabem construir melodias em câmera lenta, a bela e cortante “El Tiempo Ha Passado” mescla dedilhados, vocais angelicais e órgão de capela, numa bela argamassa sonora, delicada e forte ao mesmo tempo. O fecho do disco é com uma canção que poderia ser lançada em 1967, “Vais”, tamanha a polidez e a belezura do arranjo, que abre espaço para Velvet Underground e talvez Petula Clark.

 

Melenas é tesouro escondido por enquanto, mas tem tudo para ganhar o coração dos fãs do bom rock de guitarras erguido sobre ótimas melodias e com especial carinho por pedais distorcidos, melodias sessentistas e timidez sob a forma de som. É para poucos e bons.

 

Ouça primeiro: “En Madrid”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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