Jenny Lewis lança o seu melhor trabalho
Jenny Lewis – Joy’All
32′, 10 faixas
(Blue Note)
Célula Pop resenhou com certa amargura o álbum anterior de Jenny Lewis, “On The Line” (leia aqui), lançado há dois anos. A principal bronca do resenhista – eu, no caso – foi a presença majoritária de um certo ranço artístico e estético que turvava a objetividade de Jenny como compositora. Nunca houve dúvida sobre seu talento – e a postura ranzinza sobre o álbum mostrava isso – seja solo, seja em sua sensacional banda, Rilo Kiley, com a qual lançou outros cinco trabalhos. Aliás, lembro nitidamente da vez em que ouvi “I Never”, canção do álbum “More Adventurous”, o quarto da banda, lançado em 2004. Que voz adorável era aquela, meio doce, muito amarga? E que canção maravilhosa era essa, com um arranjo que remetia a uma baladinha do início dos anos 1960, mas com uma letra dilacerada e intensa sobre amor e desamor? Sim, era ela, Jenny. E, desde então, a acompanho como uma promessa de continuidade de uma tradição musical country/rock/pop do sul da Califórnia, meio Fleetwood Mac, meio Linda Rondstadt e mais um monte de gente bacana junta e misturada. Daí o alívio ao ouvir este novíssimo álbum, “Joy’All” e poder constatar que, finalmente, Jenny chegou lá.
Alívio porque “Joy’All” é uma lindeza bem resolvida. Ele esclarece questões artísticas e existenciais relativas a Jenny e a coloca como uma artista de ponta. É oportuno o momento pois ela esteve abrindo shows da turnê americana de Harry Styles, fato que a apresentou para uma nova geração de fãs, bem como foi citada por cantoras importantes da atualidade, como Olivia Rodrigo, na qualidade de influência decisiva em seus trabalhos. Saída de uma pandemia especialmente solitária, na qual experimentou uma vida solitária, que se estendeu para os dias subsequentes, Jenny encontrou maneiras bem humoradas para lidar com ressentimentos, saudade, problemas familiares e solidão. Adotou uma cadelinha, Bobby Rhuibarb, foi pras redes sociais, participou de reuniões criativas com Beck e mais uma galera, ou seja, Jenny fez limonada gelada com os limões que cultivava e, melhor de tudo, deixou de lado a auto-imposta condição de nova gênia da música, passando a privilegiar sua escrita e composição mais do que twists estéticos.
“Joy’All” é um disco quase country pop. Ele poderia ser de gente como Kacey Musgraves, por exemplo, o que é um elogio. Mas Jenny tem a capacidade de convergir influências como Fleetwood Mac, Dolly Parton e Marvin Gaye – só para mencionar algumas – de maneira mais natural e as reveste com suas próprias virtudes e características como compositora e como intérprete. E faz isso da melhor forma já feita em sua carreira. Por isso “Joy’All” é tão redondo, conciso e pop, com gosto de idas e vindas no tempo, tendo Los Angeles e sua mitologia como constantes histórias e dinâmicas. Ela oferece baladas e canções mais rápidas, com a mesma generosidade. Aliás, se há uma característica que Jenny tem como “storyteller” é a capacidade de abrir o coração e oferecê-lo ao ouvinte, com coragem e revelação. Certamente faz parte do prazer em ouvi-la notar a verdade das letras, expressando certeza ou confusão, gente como a gente. Talvez isso seja o principal motivo para a gente ter quase certeza que ela é uma das grandes herdeiras dessa canção californiana existencial pop da qual tanto gostamos.
O álbum tem dez ótimas faixas, mas há três pequenas obras primas. “Essence Of Life” é uma balada sussurrada de FM setentista, com cordas e guitarras esparsas, num arranjo deslumbrante, com nossa heroina balbuciando “I want you back” contra o sol poente da vida, que, mais cedo ou mais tarde, nos abarca. Coisa de gente grande. “Psychos”, um dos singles do álbum, tem instrumental que homenageia o Fleetwood Mac em seu dinamismo contido e elegante, com letra que fala sobre a dificuldade de encontrar alguém num mundo em que os aplicativos de encontros são uma das fontes preponderantes de informação. O legal da letra é que, além de supor que os possíveis candidatos são “psychos”, Jenny também se questiona uma “psycho” em potencial, dada a falta de sintonia entre as pessoas. “Giddy Up” é outra porrada climática e lenta, mas cheia de sensualidade, verdadeira obra de ourivesaria pop contemporânea, com outro arranjo milagroso.
“Joy’All” é uma pequena maravilha ensolarada. É o disco que zera as tentativas meio insossas que Jenny empreendeu até agora e a recoloca numa posição privilegiada na largada pop vigente. É uma ótima aposta.
Ouça primeiro: “Giddy Up”, “Psychos”, “Essence Of Life”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.