Sigur Rós continua majestoso em novo álbum
Sigur Rós – Átta
56′, 10 faixas
(BMG)
Quando a gente passa a ouvir música com atenção, gosta de notar os instrumentos, certo? A guitarra solando, o baixo fazendo as bases rítmicas, a bateria conduzindo, o teclado pontuando, certo? São instâncias de percepção que passamos a ter depois de tanto prestar atenção e – a partir daí – entender o que estamos ouvindo. Com o Sigur Rós a experiência é diferente e estranha: o que está acontecendo? Que instrumentos são esses? Onde está a bateria, o teclado, os vocais, onde estão todos? E, claro, este é um dos grandes encantamentos que o grupo islandês tem em sua obra, a de conduzir o ouvinte para um mundo em que essas divisões instru-mentais convencionais de pouco – ou de nada – adiantam. A gente sabe, depois e olhar créditos e ver matérias, que há músicos ali, com funções bem distintas, porém, o que ouvimos aponta para uma nova-novíssima forma de gravar e expressar música. Ainda hoje, com este novo álbum, “Átta”, essa noção segue. E isso é fascinante.
Fazia dez anos que o grupo não gravava um álbum. Ainda que tenha aparecido ao longo deste tempo, seja fazendo trilha para episódio de Black Mirror (o sensacional “Hang The DJ”), ou lançando digitalmente aqui e ali algumas obras conceituais, o Sigur Rós andava sumido. A própria não-imagem da banda ajuda nesta impressão e, sem fugir à excentricidade habitual, seus integrantes anunciaram o lançamento de “Átta” (“oito” em islandês, marcando que este é o oitavo álbum da carreira) apenas na véspera, surpreendendo fãs ao redor do mundo. E quando o disco ficou disponível nas plataformas de streaming, foi possível se deparar com mais um trabalho assustador. Por exemplo: mesmo com a participação de uma orquestra de 41 músicos, as canções não revelam sua presença, incorporando-os ao todo melódico-instrumental, que segue com beleza impressionante. O público terá a chance de testemunhar isso ao vivo, uma vez que este grupo de músicos excursionará com a banda.
O grupo se reduziu a um trio, formado pelo multi-instrumentista Kjartan Sveinsson, pelo baixista Georg Holm e por Jonsí, talvez o mais peculiar e interessante vocalista presente numa banda “de rock” em atividade no planeta. “Átta” é fruto da pandemia da covid-19 e do reencontro de Jonsi com Kjartan, dando a entender que, se não fosse por isso, talvez o grupo permanecesse em um hiato indefinido. Com a liga sonora intacta e com motivos de sobra para colocar o novo trabalho na rua, o grupo se animou e passou por vários estúdios, incluindo Abbey Road, para registrar, mixar e finalizar o álbum. Quando surgiu, no fim dos anos 1990, o grupo islandês foi inserido no contexto do “post-rock”, uma variação instrumental, climática e contemplativa, que emulava tanto alguns detalhes do progressivo setentista como informações da música eletrônica experimental. Quando o segundo álbum, “Agaetis Byrjun”, foi lançado e, graças à finada gravadora Trama, chegou ao Brasil, foi possível ver que a sonoridade do grupo era ímpar e inclassificável. Ainda é assim.
As dez faixas de “Átta” mostram uma música que suscita paisagens geladas, mas também evoca elementos intensos de pureza, natureza e comunhão. Tem algo de religioso e elevado nas melodias e arranjos que o grupo expressa e este efeito pode variar de acordo com a canção, mas a intensidade se mantém. O single “Blóðberg” constroi sua melodia e approach aos poucos, com sussurros que vão se transformando em sons indecifráveis à medida que são engolfados pelo instrumental avassalador. Em “Skel”, os vocais de Jonsi quase atingem sonoridades que poderiam ser de uma outra espécie, talvez um híbrido humano-cetáceo, vá saber. A melodia novamente é impressionante, com cordas e teclados que vão pairando sobre si mesmos numa evocação de beleza latu sensu. Em “Klettur”, minha preferida do álbum, a impressão que se tem é que estamos subindo uma montanha altíssima, sem olhar para o chão e movidos apenas pelo objetivo de chegar no topo. A melodia é hipnótica, notável e envolta por um manto de cordas e percussões mântricos. Em “Mór”, esta estrutura de sons – vocais e instrumentais – é colocada a serviço de uma melodia que suscita uma beleza quase ingênuo, convertendo as sensações e percepções para o terreno da pureza e da infância mais genuína. O restante do álbum mantém este mesmo nível de opulência e beleza fora das escalas habituais de medida.
Ouvir Sigur Rós requer uma pequena preparação. É preciso estar em paz, atento e pronto para recalibrar o ouvido para perceber detalhes e fragmentos pequenos e, ao mesmo tempo, se dar conta da imensidão que compõe o todo final de suas criações. Neste álbum, em especial, esta noção é ainda mais intensa e bela. Um dos melhores momentos da banda islandesa, um privilégio.
Ouça primeiro: “Blóðberg”, “Klettur”, “Skel”, “Mór”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Chatíííííííssssimo….o tipo de música pra dar aquele sono…aahhhnnnn….