Estreia do Velvet Underground ganha tributo digno

 

 

I’ll Be Your Mirror – A Tribute To Velvet Underound & Nico

Gênero: Rock alternativo

Duração: 59:26 min
Faixas: 12
Produção: Vários
Gravadora: Verve

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Não há meio termo quando se trata de discos-tributo. Ou são bacanas a ponto de fazer jus ao homenageado – artista, álbum – ou são lamentáveis e dão a impressão de que todos detestavam secretamente o objeto de homenagem que finalmente revelaram ao mundo. Pois este “I’ll Be Your Mirror” é um integrante do time dos bons tributos, fazendo justiça – não que seja necessário – ao primeiro disco do Velvet Underground, que contou com a participação da cantora alemã Nico e teve a capa assinada por Andy Warhol. É um dos trabalhos mais impressionantes do rock em todos os tempos, responsável por uma procissão de bandas e artistas que se inspiraram em sua visão cinzenta, pessimista, desesperada de um mundo que todos pareciam ver colorido e fofo. Tendo Nova York como musa, o primeiro trabalho do Velvet, Lou Reed à frente, é um marco da música popular planetária e está gravado na parede da memória. Sem exageros.

 

 

Pois “I’ll Be Your Mirror” é uma bem intencionada junção de vários artistas importantes do rock atual e do passado recente, devidamente imbuídos da missão de fazer jus aos originais do “disco da banana”, com o desafio de equilibrar a reverência, a invenção e a apropriação de clássicos que estão para o estilo como a Monalisa está para a pintura. Sendo assim, com a chancela do selo Verve, por si só uma marca de responsa e respeito, um cast sensacional se reuniu para esmiuçar as canções e climas do disco de 1967. Temos de Michael Stipe a Fontaines DC, de Thruston Moore e Bob Gillespie a Courtney Barnett, só para dar a ideia do escopo amplo que foi coberto na escalação dos tributários. E, assim como a maioria esmagadora destes álbuns-homenagem, o resultado não é uniforme e intercala ótimos, bons e razoáveis momentos, tendo o mérito absoluto de não conter nenhum absurdo que manche o resultado final.

 

Aliás, se formos falar em ponto alto do tributo, teremos que abrir espaço para uma artista novata, que vem da mesma Nova York, mais precisamente, do Brooklyn, King Princess. O que ela faz com “There She Goes Again” é absolutamente sensacional, porque não há qualquer intimidação com a canção. Pelo contrário, há espaço para um registro que lembra um pouco Chryssie Hynde e uma insolência que caiu muito bem na canção. Alguns metros atrás vem a versão dylanesca de Kurt Vile para “Run, Run, Run”, que ganhou propulsão guitarrística, efeitos de drones e distorções que multiplicam suas possibilidades. Transformou-se um envenenadíssimo alt-country urbano que nunca existiu. A infalível “All Tomorrow’s Parties”, clássica toda vida, recebeu um tratamento impressionista-jazzy por parte de St.Vincent, que se apropriou do original e o virou pelo avesso, com pompa e propriedade.

 

 

No terreno dos jovens veteranos, “Sunday Morning”, uma das canções mais devastadoras do repertório do VU, dentre tantas, recebeu tratamento belo mas contido, de Michael Stipe, numa raríssima aparição vocal pós-REM. Thruston Moore e Bob Gillespie se limitaram a recriar os climas de “Heroin”, adicionando tons e microfonias, enquanto Courtney Barnett levou “I’ll Be Your Mirror” para um passeio pelo campo, com hora marcada para voltar. Sharon Van Etten acentua os tons soturnos e terminais de “Femme Fatale” com pianos e câmera lenta, enquanto Matt Berninger, do The National, faz uma versão bem decente de “I’m Waiting For The Man”. Andrew Bird acha espaço para colocar violinos – tocados por ele – em “Venus In Furs” sem adulterar os propósitos originais. Fechando a lista, antes da versão “radio edit” de “Run, Run, Run”, está uma descacetante e obsessiva versão de “European Son”, com um Iggy Pop agonizante sendo assistido por Matt Berninger. O caos como solução para a ordem. Ou será o inverso?

 

 

“I’ll Be Your Mirror” é dessas homenagens que motivam a gente a voltar para o original e sair comparando versões e primeiros registros. É pungente, bem colocado e inventivo na medida certa. Está de bom tamanho para um álbum tão gigantesco como é “Velvet Underground & Nico”.

 

Ouça primeiro: “There She Goes Again, “Run Run Run”, “I’ll Be Your Mirror”, “Sunday Morning”, “Femme Fatale”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *