Décimo álbum do Tahiti 80 está entre nós
Tahiti 80 – Hello Hello
35′, 12 faixas
(Human Records)
Eu nunca estive em Rouen, capital da Normandia, situada no norte da França. Mas sei que lá foi executada Joana D’Arc e que é uma das mais belas cidades da região. Além disso, é o lar de uma das mais adoráveis bandas dos últimos tempos, o Tahiti 80. Surgido nos anos 1990 com a proposta de partir do indie pop de seu tempo e incursionar por elementos do powerpop setentista, o T-80 foi agregando elementos ao longo do caminho, especialmente um amor pelo pop retrofuturista discretíssimo, que passou a integrar suas criações e fez de álbuns como “Puzzle” (1999) e “Wallpaper For The Soul” (2003) exemplos de excelência. Com o tempo, o grupo liderado pelo cantor e guitarrista Xavier Boyer, foi consolidando sua liga sonora, deixando de lado o “power” e se esmerando em encontrar exemplares de pop perfeito. Conseguiram várias vezes chegar muito perto disso e, ao meu ver, acertaram no alvo em, pelo menos, duas canções, a saber, “Come Around”, do álbum “Activity Center” (2008) e na sublime, majestosa e exemplar “Coldest Summer”, presente em “Ballroom” (2014). Na ativa e criativo como sempre, o grupo francês está de volta com mais um álbum de almanaque: “Hello Hello”. Vamos ver do que se trata.
Além de Boyer, os membros do grupo, a saber, Pedro Resende, Médéric Gontier, Raphaël Léger e Hadrien Grange, gravaram o álbum em dez dias, durante o verão de 2023. Se reuniram no Paraphernalia Studios, na região rural francesa, desenvolvendo rascunhos, esboços e depurando ideias. , aperfeiçoaram suas interações musicais por dez dias durante o verão de 2023. Integrado muito cedo no processo, o músico Stéphane Laporte, também conhecido como Domotic, trouxe seu toque experimental distintivo aos arranjos e produção. Os vocais e sintetizadores adicionais foram então finalizados entre Paris, Rouen e Montpellier no outono. As doze canções que compõem “Hello Hello” foram pensadas e compostas como se formassem uma suíte homogênea, destacando a criatividade, diversidade e maturidade de um grupo que acaba de comemorar vinte e cinco anos de carreira.
É comum pensarmos que álbuns pop não têm um conceito mais elaborado ou algo do gênero. Parece que as canções “acontecem” e ponto final. No caso de “Hello Hello”, o T-80 tem em mente a continuidade de sua proposta sonora. As misturas que o grupo vem fazendo e aperfeiçoando com o decorrer do tempo, já solidificou sua marca sonora. Em lugares como o Japão, o quarteto já conquistou discos de ouro, mas, em sua terra natal, apenas agora está lançando os dois primeiros álbuns de sua carreira, os mencionados “Puzzle” e “Wallpaper For The Soul”. É que o som que a banda escolheu perseguir é, digamos, universal, e pouco ou nada tem de francês. É muito mais uma tenetativa de reeditar este pop universal anglo-americano dos anos 1970 e, mais que isso, reproduzir o espírito que aquelas canções tinham. Para quem ouviu algo daquela produção, é possível afirmar que os sujeitos chegam bem perto de reproduzir certa felicidade ingênua que tínhamos naquele tempo. E, para gente que não estava aqui nos anos 1970, certamente a doçura melódica e a habilidade dos compositores da banda conseguem proporcionar felicidade imediata.
As três primeiras canções do álbum são um baita cartão de visitas. A faixa de abertura, “Every Little Thing”, apresenta arranjo minimalista que contrasta com a complexidade lírica. A batida eletrônica e a flauta doce, elementos aparentemente simples, criam uma atmosfera nostálgica e envolvente. “Soft Echo” poderia tocar no rádio se ainda houvesse esse tipo de coisa por aqui, tem melodia agridoce e vocais sofridos que são marca registrada de Boyer. E “Poison Flower” é mais um daqueles momentos de perfeição sonora que duram pouco mais de três minutos. Tudo cabe nela – sol, fim de tarde, fita cassete, saudade, ansiedade – é uma pequena obra-prima. Em “1+1”, o grupo exercita uma levada mais voltada para o funk pop em câmera lenta, mas conservando um pouco de groove, lembrando alguma canção que nunca ouvimos antes mas já conhecemos. Assim é com “Insomnia”, que tem menos de três minutos e encapsula vários momentos e fofuras melódicas. A faixa-título tem lindeza e otimismo que remontam a obras como “Sing”, famosa com os Carpenters, é uma dessas canções que induzem ao sorriso. Em “About Us” temos os vocais de Médéric Gontier e um arranjo que mistura pop perfeito sessentista e acenos às composições de Burt Bacharach. Já “Vertigo”, com seu groove contagiante e suas referências à Califórnia dos anos 70 e ao Tokyo City Pop, é um dos destaques do álbum. A combinação de elementos nostálgicos e contemporâneos confere à música uma sonoridade atemporal.
Com “Hello Hello”, o Tahiti 80 demonstra sua capacidade de evoluir sem perder sua identidade. A sonoridade sofisticada e as melodias cativantes consolidam o grupo como um dos mais relevantes da cena musical internacional. O álbum é uma celebração da carreira do grupo e uma prova de que o Tahiti 80 continua a inovar e a surpreender seus fãs.
Ouça primeiro: “Vertigo”, “About Us”, “Insomnia”, “1+1”, “Poison Flower”, “Soft Echo”, “Every Little Thing”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.