A Força, a Mensagem e a Beleza de “Conclave”
Os trailers de “Conclave”, disponíveis nas mídias sociais e cinemas ao redor do mundo, indicavam um thriller político-eclesiástico com algum verniz artístico, fosse pela presença de um elenco masculino estelar, fosse pela chancela do diretor germano-suíço Edward Berger à frente do projeto. De fato, tais atributos estão presentes no longa, mas seu roteiro é, sem dúvida, o maior trunfo da narrativa apresentada, criada a partir de um romance publicado pelo inglês Robert Harris. E olha que Berger venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2023 (por “Nada de Novo no Front”) e seu elenco traz um Ralph Fiennes irrepreensível e ótimas presenças de Stanley Tucci, John Lithgow, Isabella Rosselini e um estreante sensacional, o mexicano Carlos Diehz. Ainda assim, repito, o roteiro, adaptado por Peter Straughan é o grande lance presente aqui.
A história é uma ficção política de primeira: um papa reformista e liberal acaba de morrer e faz-se necessária a convocação de um Conclave, que é a formação de um colégio de cardeais de todo o mundo para a eleição de um novo Papa. Assim como em qualquer governo do planeta, a política dentro do Vaticano e da Igreja Católica vive momentos de polarização e acirramento ideológico, com o colégio de cardeais se dividindo entre conservadores e progressistas, com candidatos representando ambas as facções. À frente de tudo isso está o cardeal Thomas Lawrence (Fiennes), que é o Decano, ou seja, aquele que foi ordenado cardeal há mais tempo. De natureza liberal, Lawrence está atravessando um período de dúvidas pessoais e eclesiásticas, não pela doutrina católica ou pelo dogma, mas pela execução destes por mãos falíveis: as mãos dos homens. Por isso sua tarefa tem dificuldade dobrada pois ele precisa manter-se neutro e conviver com a ameaça conservadora, que paira sobre os padres e a investigação de indícios de uma conspiração em curso para desacreditar alguns candidatos ao papado.
Antes é preciso dizer que o Conclave é uma cerimônia praticamente secreta, que a narrativa de Harris (e o roteiro de Straughan) esmiúçam para o espectador. Com pouco mais de uma centena de participantes, a eleição do novo Papa só acontecerá quando dois terços deles concordarem com um nome. E, a partir daí, têm início as artimanhas, alianças e campanhas internas. E o livro/roteiro não hesitam em mostrar que se trata de seres humanos falíveis em busca de poder, influência e distinção. A fé ou a mensagem pela qual a instituição que será governada é – ou deveria ser – conhecida, pouco ou nada tem a ver com o processo que se instaura. E isso é mais um fator para a desilusão de Lawrence ser comprovada e justificada.
Não é preciso dizer que a atuação de Fiennes é superior, mas vamos dizer mesmo assim. Ele está soberbo na pele do atormentado Decano e empresa uma doçura de olhares e atitudes que chegam a emocionar pela meticulosidade. Tucci, que vive um cardeal progressista, também está maravilhoso, do mesmo jeito que Lithgow, que vive o cardeal Tremblay, outro postulante ao pontificado, cuja posição não é exatamente mapeável dentro do espectro político do Conclave. E para complicar ainda mais a situação de Lawrence, um cardeal do qual ninguém havia ouvido falar, Benitez (vivido por Diehz) chega para a cerimônia, vindo de uma paróquia distante. Sua história é misteriosa e se torna mais um foco da atenção de Lawrence, que ainda precisa lidar com incidentes e situações estranhar, nas quais a Irmã Agnes (uma extraordinária Isabella Rosselini) terá participação decisiva.
“Conclave” está indicado para oito Oscars. Além de “Melhor Filme”, “Melhor Diretor” e “Melhor Ator” (para Fiennes), Rosselini também disputa como “Melhor Atriz Coadjuvante” e Straughan como autor do “Melhor Roteiro Adaptado”. Mas não são só esses os atrativos do longa: Berger consegue conceber um universo de contrastes de cores a partir dos hábitos dos cardeais, bispos e freiras, contrastando-os com tons neutros do casario e das instalações do Vaticano. A trilha sonora de Volker Bertelmann (também indicada ao Oscar) é absolutamente sensacional e pontua a maior parte das cenas de um jeito quase subliminar, mas fazendo-se presente nos momentos certos.
Nenhum desses atributos – e olha que são muitos – no entanto, são capazes de suplantar a reviravolta que ocorre na última meia hora de filme, fazendo o espectador estremecer na cadeira. Por fim, o resultado de “Conclave” é de um filme praticamente perfeito, do tipo que a Academia gosta, mas que, além da forma e da técnica, esbanja conteúdo, mensagem e ótimas atuações. Sensacional.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.