Os 50 anos de “Tapestry”

 

 

 

Muitos dos discos que celebramos hoje como obras-primas da música pop não foram grandes vendedores. Explica-se. Vários álbuns são detectados como evidência de alguma revolução estética ou mudança de curso na obra de artistas e, nem sempre, a resposta da caixa registradora era no mesmo tom de momentos aventureiros e auspiciosos de trabalhos como “Pet Sounds”, dos Beach Boys ou do “disco da banana”, de Velvet Underground e Nico. Mas há aquelas exceções gloriosas a esta regra, trabalhos que marcaram época, definiram rumos, detectaram sinais de seu tempo e, ainda por cima, venderam bem. “Tapestry”, o segundo disco solo de Carole King, lançado em 10 de fevereiro de 1971, há exatos 50 anos, é um exemplo desta feliz – e rara – coincidência. Foi reconhecido em seu tempo como um clássico, ganhou prêmios – quatro Grammys, incluindo o de Melhor Disco e Melhor Canção Pop para “It’s Too Late”. Até o ano passado, “Tapestry” já havia vendido cerca de 30 milhões de cópias.

 

E por quê? Quais os motivos desse triunfo?

 

Carole King é uma das maiores compositoras do pop rock de todos os tempos. Passou a década de 1960 escrevendo canções para gente como Monkees, Drifters, Shirelles, Neil Diamond, Righteous Brothers, entre outros, via de regra, fazendo muito sucesso. Após o fim de seu casamento com Gerry Goffin, marido e parceiro de composição, Carole percebeu que poderia se aventurar como cantora e esta decisão apressou o fim de um relacionamento que já estava na bacia das almas. Após especialmente o fracasso de sua primeira tentativa de cantar – a bordo do trio The City – Carole lançaria o primeiro álbum, “Winter”, em 1970. A recepção não foi muito entusiasmada, ainda que fosse um bom trabalho, mas o clima daquele momento deu a ela uma visão precisa do que era importante falar. A mistura da ressaca afetiva do fim do casamento com Goffin e a enorme, avassaladora desilusão pela perda de força das questões advindas do rock enquanto veículo de protesto e engajamento, deu a Carole a inspiração que precisava.

 

“Tapestry” nasce como um disco de alguém que está em casa, querendo ficar em paz. A capa já entrega quase tudo: Carole em frente a uma janela, com uma tapeçaria no colo, bordando, enquanto Telêmaco, seu gato, está a seus pés, olhando para a câmera. E as canções complementam tudo. São pequenas pérolas agridoces, entre o pop e o rock, com um pé no folk, falando de como o tempo passou rápido, como as pessoas que estavam aqui foram embora e como pode ser confortante para uma mulher se sentir sozinha e do jeito que quer ser. A combinação de temas e músicas ainda tinha o auxílio luxuoso de um grupo de músicos tarimbados de estúdio, entre eles, Danny “Kootch” Kortchmar (guitarras), Russ Kunkel (bateria), além de Joni Mitchell e James Taylor, que gravaram vocais de apoio e deram aquela força para Carole soltar sua voz. Acreditem, ela tinha vergonha de cantar suas próprias músicas. E esses músicos ainda apareceram no álbum que Taylor estava gravando na época, “Mud Slide Slim and the Blue Horizon” .

 

Como Carole não era letrista, algumas canções se mostraram verdadeiros triunfos para ela nesta nova atribuição. “So Far Away”, por exemplo, um dos maiores sucessos do álbum e de sua carreira, tem letra e música assinadas por ela. Este também é o caso de “Beautiful”, “I Feel the Earth Move” e “You’ve Got A Friend”, três belezuras que também habitam “Tapestry”, sendo que a segunda ficou muito mais conhecida como o maior sucesso da carreira de James Taylor. Além delas, outras canções são regravações. “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman” fez sucesso mundial na voz de Aretha Franklin, quatro anos antes. E “Will You Love Me Tomorrow?” fora hit com o trio vocal The Shirelles, numa das primeiras canções que questionavam o papel do homem nas relações afetivas. Como se não bastasse, o grande hit do álbum, “Its Too Late”, é parceria de Carole com letrista Toni Stern.

 

Até hoje “Tapestry” é definitivo. Seu legado é imenso, Carole pavimentou o caminho para uma geração de cantoras/compositoras que dominaram a música pop americana nas décadas seguintes, influenciando de Carly Simon a Tori Amos, passando por Sheryl Crow e congêneres. A sua figura ao piano, tocando e cantando as canções do álbum são emblemáticas de seu tempo. A agridoçura do disco é imensa, uma dualidade que marca o próprio período de sua realização, quando a tristeza e a decepção em vários níveis gerava uma resposta musical doce, que suscitava a amizade e o entendimento. Era como se os hippies e seus ideais de paz e amor estivessem se adaptando a novos tempos. E, bem, não deixa de ser isso.

 

E hoje em dia, “Tapestry” é um bálsamo para ouvidos cansados e levados ao caos diário.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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