Wry – Noites Infinitas

 

Gênero: Rock, alternativo

Duração: 30 min
Faixas: 10
Produção: Mario Bross
Gravadora: OAR

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

O tempo passa e as coisas mudam. O grande dilema da carreira do Wry, veterana e venerável guitar rock sorocabana, sempre foi cantar ou não cantar em português. Devoto da sonoridade de gente como My Bloody Valentine e Sonic Youth, o grupo surgiu no início da da década de 1990 cantando em inglês, debutando no festival Junta Tribo II, no distante ano de 1994. Ao longo daqueles anos, o conjunto viu que era possível manter-se assim, mas nunca foi totalmente aceito por não ter letras em português, o que levou seus integrantes a emigrar para Londres e morar na capital inglesa por algum tempo. Tal movimento trouxe espaço para respirar e certo reconhecimento, uma vez que o Wry se inseriu numa nova cena de bandas que tentavam renovar o rock, entre elas, o Strokes, que logo chegou por lá com esta missão. dos últimos 20 anos, então, o Wry passou nove sem lançar um álbum cheio, hiato que se encerra com este bom “Noites Infinitas”, formado por Mario Bross no vocal, guitarras e synth; Luciano Marcello nas guitarras e backing vocal; William Leonotti no baixo e backing vocal e Ítalo Ribeiro (bateria e backing vocal).

 

Como eu disse, com o tempo chegando a 2020, a questão de cantar em português ou inglês parece bem menos importante mas o grupo resolve tentar agradar a todos. O resultado: dividiu as dez faixas do novo trabalho – cinco para cada idioma – e obteve um resultado uniforme, coeso e que não dá espaço para que o ouvinte pense que são bandas distintas por trás das canções. Outro ponto importante em “Noites Infinitas” é o conceito que o disco traz. Mario Bross, também produtor do álbum, sempre disse o quão barra pesada é tocar rock, fazer festivais independentes e ter casa noturna que abrace a cena numa cidade conservadora como Sorocaba, no interior paulista. Dos últimos anos pra cá, a impressão é que este jeito de ver a vida e as pessoas se espalhou para o restante do país, percepção que permeia e dá foco ao disco, sem dúvida um trabalho que dialoga com a opressão, a desesperança e a barra pesada de seguir acreditando em igualdade, música,cultura e outros bens essenciais que as pessoas parecem ter deixado de lado em nome da burrice total.

 

Sendo assim, temos este novo feixe de canções do Wry. A pegada pop que a banda sempre teve segue firme, deixando especial marca em “Morreu a Esperança”, que tem uma levada totalmente pós-punk, com arranjo dinâmico, especialmente no entrosamento entre baixo e bateria, dando punch dançante pra canção. As guitarras ficam discretas, mas compõem bem o panorama. “I Can Change” é o outro lado da moeda do Wry, com algo de shoegazer no arranjo, no qual as guitarras soam mais etéreas e a bateria vai numa onda diferente, dando um ar interessante à canção. A melodia é bela, o clima é de praia cinzenta, como convém. Essas duas faixas meio que delimitam o espaço de atuação do grupo, abrindo perspectivas e possibilidades. E Bross mais seus comparsas sabem como explorar o terreno, brindando o ouvinte com bons momentos.

 

Há canções híbridas como “I Feel Invisible”, que lembra algo que o Echo And The Bunnymen poderia fazer nos anos 1990, enquanto “Man In The Mirror” tem uma pegada um pouco mais energética, com guitarras cheias de efeitos e outra excelente performance da dupla cozinheira de baixo e bateria. “Uma Pessoa Comum” mantém a pegada dos Bunnymen, mas oferece uma curiosa perspectiva ao conter as letras em português e interessante detalhes de teclados, algo que aproxima o resultado das outras faixas. “Absoluta Incerteza” já tem uma dinâmica mais lenta e compassada, com boa letra – “são reais os gritos que vêm de dentro” – sobre a perspectiva da sociedade como algo que não tem o futuro assegurado. “Weapon In My Hand” é outra faixa que dialoga com a conexão Ride-MBV, com razoável desenvoltura.

 

“Noites Infinitas” é um trabalho honesto, bem feito e com atrativos de sobra para agradar os velhos fãs do Wry e captar novos interessados nestas sonoridades pós-punks, shoegazers e quetais, que parecem imunes à passagem do tempo. Boa pedida.

 

Ouça primeiro “Morreu A Esperança”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *