Vanessa Krongold – Singular

 

Gênero: Pop, alternativo

Duração: 33 min
Faixas: 9
Produção: Emerson Martins, Vanessa Krongold
Gravadora: Bamba Music/Tratore

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

Sabem o pop rock? Aquela misturinha bem dosada de guitarras bem tocadas, harmonias bem feitas, refrões cantáveis, tudo funcionando direito? Parece que sumiu entre sertanejos, pagodes, arrochas e demais gêneros popularescos neste Brasil, né? Pois ele ainda resiste em iniciativas solitárias e corajosas e este é o caso de “Singular”, o primeiro e ótimo disco solo de Vanessa Krongold, que surgiu para o mundo da música pop nacional como vocalista da banda paulista Ludov, lá no início dos anos 2000. Como o restante daquela geração de grupos – Leela, Moptop, Brava, entre outros – o Ludov fez certo sucesso, colocou a cabeça pra fora dos meios alternativos e depois voltou para lá, tendo lançado seu trabalho mais recente em 2014. Desde então a banda está com a tecla pause apertada e Vanessa vem produzindo com calma este seu primeiro disco. Com ela, pilotando estúdio e conferindo possibilidades, está Emerson Martins, tendo o estúdio Bamba Music como QG criativo. O resultado é uma ótima incursão por este terreno tristemente abandonado há tempos, no qual as letras, as atitudes e a dinâmica musical não precisam ser hedonistas, alopradas ou resvalando a vulgaridade. Vanessa é, sobretudo, elegante e seu trabalho reflete isso.

 

“Singular” tem nove faixas muito bem produzidas e tocadas. Tudo por aqui revela cuidado e tempo de maturação no estúdio. Arranjos, timbres, detalhes, é uma pequena e surpreendente aula de como um disco pode soar coeso e bem feito. A voz de Vanessa continua bastante peculiar, com um timbre aveludado e grave, algo que contrasta adoravelmente com a aparente fragilidade que as composições refletem. É como se ela embarcasse em crônicas sobre essas dissonâncias sentimentais, não necessariamente vivenciando as experiências. Tal postura contribui para a veracidade de algumas passagens, o que funciona a favor das narrativas. O fato dela ser a principal compositora das canções – com uma ou outra parceria – confirma o tom pessoal que o projeto tem, algo que transparece logo nos primeiros acordes da faixa de abertura, que é a ótima “Á queima-roupa”.

 

É logo nas primeiras palavras ditas por Vanessa que o ouvinte já se situa: “um disparo certeiro, tiro justo, em cheio, o amor morreu à queima-roupa”. É a gente como vítima das circunstâncias existenciais, sociais, humanas deste tempo. Que amor vai sobreviver a tudo isso? É uma pergunta que a gente logo se faz – é amor de amante? De sociedade? Ao próximo? O sentimento como um todo está em risco. Em meio à bela melodia da canção, o violino de Fernanda Kotschak – do Vanguart – faz pontuações precisas e acompanha belamente a dinâmica. Logo em seguida, “Hoje” leva a discussão para um plano pessoal, traduzindo a solidão e a saudade em frases como “eu te encontro e não vejo saída (…) eu te descrevo em palavras perdidas, te reinvento por não me lembrar”, mostrando que há resistência diante do momento desfavorável às relações, que algo pode mudar – ou não – mas que não deixaremos passar batido.

 

 

 

“Concreto” é outra bela canção, com ótimo arranjo de guitarras e batida dinâmica, novamente mostrando desencontro sentimental diante da dificuldade emocional reinante (“Sente medo de tentar e depois me machucar. Não vê? Quero mais é me entregar.” e mais adiante: “o que eu te ofereço é concreto, dou meu amor como garantia e o meu coração por completo” num tom de bravata canceriana que é algo cada vez mais fora de moda. E olha que Vanessa nasceu em dezembro. “Instante” é outra adorável canção, na qual o timbre de voz lembra demais o de Dulce Quental, com ótimo arranjo de metais e andamento que tangencia a soul music mais dançante. E no fim do disco, última canção, chega “Recomeço”, introduzida por bela cama de violões e vocais serenos de Vanessa, num momento denso de pop folk bem feito.

 

“Singular” é belo e surpreendente. Mais que o trabalho solo da vocalista do Ludov, ele é o atestado da maturidade artística de Vanessa Krongold como cantora e compositora. Ela fez um dos álbuns mais belos deste conturbado 2020. Ouça e passe adiante.

 

Ouça primeiro: “Concreto”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Vanessa Krongold – Singular

  • 11 de novembro de 2020 em 02:10
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    Obrigado pelas palavras gentis, meu caro. Seguimos.

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  • 10 de novembro de 2020 em 21:39
    Permalink

    como é bom ler crítica feita a partir de análise real e cuidadosa. assim como no álbum da vanessa, seu texto detalhado é coisa rara hoje em dia, mas há esperança. não faltará espaço pras coisas boas.

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