Mais um discaço de Harry Styles

 

 

 

 

Harry Styles – Harry’s Home
(Sony)
43′, 13 faixas.

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Harry Styles é o mais próximo que temos hoje de um “rei do pop”. Como a música pop muda de acordo com o tempo, não adianta que ele apenas concentre características de outros monarcas da música do passado recente, como, vá lá, Michael Jackson, George Michael, Robbie Williams, Justin Timberlake e demais, porém, é bom que ele não perca de vista os ensinamentos que estes ofereceram – e oferecem – em suas carreiras. Styles tem três pilares bem sólidos – é ótimo cantor, tem boa mão para compor e consegue fazer música que tem as tradições do pop radiofônico oitentista mas consegue soar totalmente como algo muito atual. E, para completar a receita – ele tem noção de que há muita coisa boa no pop alternativo, do qual bebe neste terceiro e ótimo álbum, “Harry’s House”. Todas as treze faixas têm ganchos e sacadas melódicas que colocam sorrisos no rosto do ouvinte mais atento e fazem cantar, pular e suspirar o pessoal mais novinho, interessado pela música que o rapaz lança. E este novo álbum mostra que ele está em evolução, enfiando conceitos bacanas nas canções e escrevendo letras confessionais, contrastando com arranjos mais alegrinhos, caso do ótimo hit “As It Was”.

 

 

Mas “Harry’s House” é muito mais que este hit. As outras doze canções têm potencial radiofônico próprio e adentram os territórios das baladas, das pop songs em midtempo e alguns momentos mais dançantes, tudo com muito bom gosto e propriedade. O trabalho anterior, “Fine Line”, de 2019, já apontava que o ex-One Direction era um nome cheio de credenciais para ocupar o espaço dos grandes monarcas pop. “Harry’s House” é a tomada de posse dessa posição, com muita graça e talento. Por mais que Styles seja o responsável pela parte criativa dos dois álbuns, é preciso mencionar o auxílio que ele recebe de Kid Harpoon, multi-músico, arranjador e produtor, que fornece os contornos sonoros para as ideias que o cantor e compositor elabora. E, colocando o álbum anterior e este, é possível ver como o novo trabalho é mais maduro, especialmente nas letras e no conceito. Neste caso, o que Harry chama de “A casa do Harry” é o que reflete sua própria vida e experiência, incluindo aí as mudanças que vivencia, perdas e ganhos sentimentais, enfim, é um jovem – ele tem 28 anos – fazendo inventários pessoais e emocionais. E funciona.

 

 

A diversidade sonora é o forte de ‘Harry’s House”. Ouvindo com atenção as treze faixas que o compóem, é possível ver hits e sucessos em todas elas e isso é muito raro. Na verdade, talvez apenas a faixa de abertura, “Music For A Sushi Restaurant”, não tenha essa manha radiofônica toda. Mas, a partir da bela “Late Night Talking”, que vem em seguida, o ouvinte já é colocado em ótimas mãos, com uma melodia linear e popíssima, propulsionada por ótimos sintetizadores e bom senso pop oitentista. E daí pra frente é só correr pro abraço, especialmente porque “Grapejuice”, que é a terceira faixa, tem muito do pop noventista de gente como Lighthouse Family e similares, mas com alma e uma pegada mais espontânea do que os arranjos polidos e nada mais. Os pianos são os condutores da melodia e fazem muito bonito no arranjo. E o hit “As It Was”, que saiu como single há pouco tempo e já tem mais de 472 milhões de streams, tem essa aura de pop song oitentista – lembra até um pouco “Take On Me”, do A-Ha – mas com tom triste e reflexivo, sobre a passagem do tempo e como a gente vai mudando.

 

 

“Daylight” tem um quê de jazz pop, algo que requer um conhecimento de causa mínimo para poder fazer. E o jogo com os timbres vocais e detalhes do arranjo, especialmente os teclados, funciona muito bem. “Little Freak” é uma das canções menos reluzentes por aqui, mas tem a participação do ótimo baixista Pino Palladino, enquanto “Matilda” exibe um frescor folk que é quase inédito na obra de Styles. A melodia é belíssima e tudo funciona a favor deste clima mais plácido e romântico. “Cinema” é outra canção apenas ok, mas é mais uma que recebe um convidado, no caso, o guitarrista e cantor John Mayer, que surge bem discreto no resultado final. O jazz pop ressurge na ótima “Daydreaming”, que tem metais sintetizados e ótima levada de baixo, bateria e guitarra, equilibrando na linha que divide esse jazz pop e o funk setentista, até com uma influência vocal da música brasileira nos vocais de apoio. “Keep Driving” tem uma aura de bedroom pop atual que é muito bem-vinda na grande palheta de recursos que Styles utiliza por aqui. O fim do álbum tem a ótima “Satellite”, que alterna início climático, efeitos de voz e uma levada pop rock limpa e cristalina. As duas canções que encerram o disco têm arranjos mais econômicos e plácidos. “Boyfriends” tem guitarras de Ben Harper e uma aura gospel moderninha e confessional, enquanto “Love Of My Life” é o que seu título sugere: uma canção derramada, mas não-óbvia.

 

 

“Harry’s House” e um discaço, um belíssimo artefato pop do nosso tempo, cheio de influências, mas com personalidade forte. Documenta um artista em evolução e mostra que podemos esperar de Harry Styles essa excelência em lidar com responsabilidades sonoras maiores. O cara entende do negócio e não foge do jogo.

 

Ouça primeiro: “As It Was”, “Daydreaming”, “Last Night Talking”, “Grapejuice”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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