Um monte de canções do Lobão

 

 

Dia desses o algoritmo do Youtube me sugeriu assistir uma entrevista concedida por Lobão ao podcast Amplifica. Eu não conhecia o canal e pensei: vejo ou não vejo o Lobão? Explico: apesar de reconhecer o talento do sujeito, João Luiz Woerdenbag Filho nunca foi uma figura fácil de gostar e simples de entender. Mesmo assim, aceitei a indicação e fui dar uma conferida. Sempre gostei das entrevistas do Lobão por um detalhe que até pode ser equivocado em minha percepção – sempre tenho a quase-certeza de que ele está debochando das pessoas na maioria das vezes. Mesmo quando assumiu sua persona política nos anos 2010, incorporando um fraseado neoliberal de think tank gringo, continuei achando que ele se divertia com a cara das pessoas, inclusive os abomináveis parceiros de trincheira que arrumou nessa aventura – o pessoal do mbl, olavo de carvalho e toda essa gente lamentável. Esta – suposta – capacidade de deboche atenuou a gravidade do posicionamento político do Lobão aos meus olhos e ouvidos, algo que, por exemplo, jamais aconteceu com o lamentável roger moreira, que se leva muito a sério e acredita mesmo que tem um altíssimo Q.I. Mas o Lobão, não. Ele faz vídeo mostrando como fazer um paillard com filé, diz que tira fotos das flores em seu jardim, entre outras coisas. Ou seja, é um debochado e, sim, é um cara muito inteligente.

 

No tal bate-papo com o músico Rafael Bittencourt, do Angra, que apresenta o Amplifica, a conversa com Lobão fluiu facilmente. Vi em partes, afinal de contas, eram quase quatro horas de papo sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis, com histórias engraçadíssimas, fatos curiosos, declarações duvidosas, ou seja, puro suco de Lobão, que, a meu ver, é um ótimo polemista. Além disso, sua carreira, pelo menos, até o início do século 21, tem inegáveis acertos. De lá pra cá, em meio a discos ao vivo e projetos de versões, Lobão manteve-se vivo e ativo, mas, numa visão bem pessoal, seu filé mignon está no período que vai de “Cena de Cinema”, seu primeiro disco, de 1982, até “A Vida É Doce”, de 1999. Sendo assim, deixando de lado as questões políticas – que ele mesmo declarou estar aposentado delas – e concentrando na sua produção como cantor, compositor, guitarrista e baterista, a gente separou um punhado de canções ótimas do Lobão e colocou numa playlist, que totaliza 84 minutos com o que achamos ser o que melhor o resume. Ainda que muitos reclamem da ausência de trabalhos mais recentes, especialmente faixas do interessante disco “O Rigor e a Misericórdia”, de 2016, optamos por focar no Lobão vintage. Ele certamente detestaria este termo.

 

Lobão escreveu livro, atuou em filme, apresentou programas na TV, editou revista de música, deu espaço para artistas novos e quebrou paradigma na venda de CDs nacionais. Entre 1986 e 1991, lançou um disco por ano Perdeu os pais de forma trágica. Casou duas vezes, tem uma filha. É um dos grandes da música nacional. Ainda.

 

Ouça, comente e diga quais faixas você acha que estão faltando. Ou quais você gostou de conhecer ou reouvir.

 

Em ordem de preferência.

 

1 – Vou Te Levar (1999) – Lobão é um craque das balada e esta faixa de “A Vida é Doce” é, a meu ver, o seu maior momento como artista. Letra, melodia, arranjo, tudo é muito, muito bonito e verdadeiro. Minha preferida de sua carreira.

 

2 – Ipanema Noir (1999) – Ideia e execução próximas da perfeição nesta bela ode ao dia cinza e à defesa deste tipo de beleza não-solar numa cidade como o Rio de Janeiro. O arranjo é arrepiante e muito bem feito. Outra de “A Vida é Doce”.

 

3 – Corações Psicodélicos (1984) – Um dos grandes, imensos e sensacionais clássicos do rock brasileiro dos anos 1980. Faixa do ótimo álbum “Ronaldo Foi Pra Guerra”, de Lobão e os Ronaldos.

 

4 – Cena de Cinema (1982) – Faixa-título de seu primeiro disco solo, esta canção também retrata muito bem o que era aquele Rio de Janeiro fervilhante. Detalhe para a participação de Ritchie, Lulu Santos (ex-companheiros de Lobão no Vímana) e Marina Lima nos backing vocals.

 

5 – A Queda (1995) – Épica faixa do álbum “Nostalgia da Modernidade”, lançado em 1995 e que marca uma guinada de Lobão rumo a outros ritmos e experiências. É um trabalho denso e complexo, diferente de tudo o que era feito naquele tempo.

 

6 – Essa Noite Não (1989) – Faixa que puxou o álbum “Sob O Sol de Parador”, de 1989, que anunciava novos elementos sonoros no rock que Lobão fazia até então. Muito engajamento político à esquerda, algo impensável para quem ele se tornou.

 

7 – Decadence Avec Elegance (1985) – Um funk de branco que fez muito sucesso na época do lançamento. A canção só saiu em compacto e no álbum “Globo de Ouro”, que eu tinha em casa. A letra é sensacional também.

 

8 – Bambina (1984) – Faixa obscura do álbum “Ronaldo Foi Pra Guerra”, mas que mostra muito bem o que era a tal new wave brasileira daquele início de anos 1980. Um pequeno e adorável fóssil sonoro.

 

9 – Noite e Dia (1986) – Outra balada lobônica de primeira linha, presente no ótimo álbum “O Rock Errou”, em cuja polêmica capa, ele aparecia vestido de padre e sua esposa na época, Danielle Daumerie, surgia nua.

 

10 – Por Tudo Que For (1988) – Mais uma baladaça da verve do homem. Faixa presente no ótimo álbum “Cuidado”, que marcou seu flerte com o samba-rock ou algo no gênero.

 

11 – Cuidado (1988) – Faixa-título de seu quinto álbum, que marca, como dissemos, uma aproximação com o samba e o funk. Participação de Ivo Meirelles no vocal. Na época, Lobão apresentava-se com a bateria da Mangueira em shows.

 

12 – Me Chama (1984) – Certamente a canção mais bem sucedida de sua carreira, “Me Chama” chegou a ser gravada por João Gilberto em 1991. É bacana e tal, mas está bem longe de ser minha preferida. Não pode faltar numa lista dessas. Faixa de “Ronaldo Foi Pra Guerra”.

 

13 – O Eleito (1988) – Outra faixa de “Cuidado”, esta canção é bem pesada e tem letra que cutuca a presidência de José Sarney, que não chegou a ser eleito pelo povo. Boa pedida deste “Lobão comunista” que foi deixado pra lá.

 

14 – Radio Blá (1987) – Outro enorme sucesso radiofônico de Lobão, dessa vez, do álbum “Vida Bandida”, que foi gravado depois do músico ser preso por posse de drogas em 1986.

 

15 – Canos Silenciosos (1986) – Mais uma faixa de “O Rock Errou”, cheia da mitologia urbana e festeira que Lobão havia incorporado nesta primeira fase da carreira, como se fora um cronista do submundo.

 

16 – Jesus Não Tem Drogas No País dos Caretas (1991) – Na mais fiel tradição do “é bom, mas é ruim”, esta faixa do pouco ouvido álbum “O Inferno é Fogo”, tem citações de Ray Charles, Led Zeppelin, junto com crítica ao país que elegera Collor e aos Titãs. Ou seja, puro suco de contradição lobônica.

 

17 – Chorando no Campo (1986) – Uma balada agreste do álbum “O Rock Errou”, com um belo arranjo de violões e um clima folk raríssimo entre os artistas brasileiros dos anos 1980.

 

18 – Vida Bandida (1987) – Faixa-título do disco de 1987, explicitamente falando sobre o episódio da prisão por porte de drogas no ano anterior. Outro sucesso de rádio.

 

19 – A Vida é Doce (1999) – Faixa-título do álbum de 1999, que Lobão vendeu nas bancas de jornal com um grande sucesso. Marcou uma espécie de ressurreição em sua carreira.

 

20 – Revanche (1986) – Hit que puxou o álbum “O Rock Errou”, sucesso estrondoso de rádio e um clima obsessivo e triste, numa não-balada cheia de boas guitarras.

 

21 – Mal Nenhum (1984) – Lado B do compacto que trazia “Decadence Avec Elegance”, “Mal Nenhum” é parceira de Lobão com seu grande amigo Cazuza. Canção emblemática do rock carioca daquele tempo.

 

22 – Vida Louca Vida (1987) – Falando em Cazuza, que regravaria esta canção em seu disco ao vivo “O Tempo Não Para”, “Vida Louca Vida” foi mais um sucesso radiofônico que Lobão teve em 1987. Faixa de “Vida Bandida”.

 

23 – É Tudo Pose (1988) – Bem no tom do álbum “cuidado”, esta faixa é um rockão em que Lobão critica futilidades e bundamolices entre famosos da época, dentro e fora da música.

 

24 – Tô à Toa Tokio (1984) – Mais um espécime new wave brasil daquele início de anos 1980 que chegou a ter boa execução nas rádios, outra faixa do álbum “Ronaldo Foi Pra Guerra”.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Um monte de canções do Lobão

  • 15 de abril de 2022 em 10:18
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    massa ver Bambina bem rankeada, sempre achei essa faixa uma preciosidade perdida no início de sua carreira

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  • 14 de abril de 2022 em 22:45
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    Que passada de pano hein meu caro? Parece que o cancelamento só vale para os reacinhas do rock nacional da divisa do estado do Rio de Janeiro pra fora.

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