Três vezes dez, a estreia do Pearl Jam (Parte 2/3)

 

 

 

Ten foi gravado no London Bridge Studios, que já havia hospedado outras bandas do setor metaleiro do grunge (inclusive a Mother Love Bone) e também o Temple of the Dog. Rick Parashar, um dos donos do estúdio, co-produziu o álbum com a banda. O entrosamento garantiu que menos de 30 dias tenham sido suficientes para a empreitada. Antes de chegar na prensagem, as músicas passaram por Londres (mixagem final) e Nova York (masterização).

 

Ten reúne 11 faixas, além de uma vinheta instrumental que abre e fecha o álbum. Todas as letras são creditadas a Vedder e estão transcritas, total ou parcialmente, no encarte que, como a capa, não traz maiores firulas.

 

Há um trio de composições que oferece uma organização inicial para as músicas. Segundo o vocalista, “Alive” conta a história de um jovem que vem a saber, por meio da mãe, que seu pai verdadeiro é uma pessoa que morrera anos atrás; “Once” seria a reação a essa notícia, provocadora de um surto assassino; “Footsteps” conta a captura e execução do jovem.

 

Contudo, na montagem de Ten, ocorrem modificações. “Once” abre o álbum e “Alive” é a terceira faixa. Já “Footsteps” ficou de fora, aparecendo apenas como o lado B do single com “Jeremy”. A razão talvez tenha sido sua inserção, com outra letra e título (“Times of Trouble”), no álbum da Temple of the Dog.

 

Em parte autobiográficas, essas letras expõem alguém lidando com o amadurecimento e com dramas familiares. Há uma continuidade em outra faixa de Ten, “Release”, que narra um encontro no escuro entre pai e filho.

 

Outras letras, no entanto, introduzem temas adicionais, menos pessoais. “Even Flow” trata de moradores de rua. “Why Go” é sobre uma jovem internada pelos pais em uma instituição. “Black” é sobre uma separação amorosa. “Jeremy” trata de assédio na escola.

 

Embora as letras apresentem temas graves, tanto no plano pessoal quanto no social, seus ou suas protagonistas aparecem como pessoas que lutam, que vislumbram possibilidades de superação ou que têm a última palavra. É uma marca que Vedder traz de suas composições ainda do tempo de San Diego, valendo notar que “Better Man” (que a Pearl Jam gravaria em Vitalogy, de 1994), fazia já parte do repertório da Bad Radio.

 

Sonoramente, Ten representa o grunge na sua vertente mais próxima do hard rock (a ponto de ser às vezes rotulado como tal) e do rock clássico, mas com construções e traços que a aproximavam de bandas associadas ao “alternativo”. Mais do que a aproximavam, a mergulhavam.

 

Há “baladas”, que dão destaque à voz de Vedder. Já outras faixas assemelham-se por serem mais rápidas, aliando batidas quebradas com refrãos robustos. Essa é apenas uma classificação grosseira, pois as “baladas” e as “agitadas” são diferentes entre si. “Black” e “Garden” são mais pesadas ou preenchidas do que “Ocean” (quase orquestral) e “Release” (delicadamente grandiosa). Do lado das mais rápidas, “Porch” mostra influências do punk, “Deep” abre com um mar de guitarras em wah-wah, “Once” e “Why Go” vêm com groove e suingue.

 

Um elemento essencial nas composições sonoras da Pearl Jam é a produção de intensidades. Nisso, o entrosamento engenhoso entre os instrumentos e a voz de Vedder é crucial. Embora haja pitadas de piano, órgão e percussões, o tom é definitivamente definido pelo quinteto de duas guitarras, baixo, bateria e vocal.

 

A divisão entre “baladas” e “agitadas” deixou de fora o comentário de três faixas: “Alive”, “Even Flow” e “Jeremy”. Elas mereceram singles e vídeos, o que aponta seu destaque em relação às demais (na verdade, o mesmo ocorreu com “Ocean”, mas com repercussão mais limitada). Até hoje, nas estatísticas do Spotify, as três músicas lideram as execuções da Pearl Jam. Sem elas, Ten já seria muito bom; com elas, tornou-se arrasador.

 

Os primeiros dois dos vídeos são montados basicamente com imagens da banda em apresentações. Era nos palcos que a banda mostrava toda a sua força e nada melhor que “Alive” e “Even Flow” para provar isso.

 

“Alive” começa suave e cresce avassaladoramente no refrão. Esse jogo de variações é repetido no miolo da música, dando lugar a um final longo, intenso, contagiante. “Even Flow” é mais rápida, com Vedder quase fazendo um rap (aliás, confiram “Dirty Frank”, registrada no mesmo single que destaca “Even Flow”, em que a banda soa como os Chili Peppers). O refrão é menos surpreendente se o comparamos com o de “Alive”. Mas após sua segunda repetição, a música conjuga explosão e suingue de uma forma pouco ouvida.

 

Nos vídeos, Vedder é mostrado em destaque. Ora sentindo cada palavra de suas letras, ora batendo cabeça para acompanhar o frenesi do instrumental. Ora misturando-se ao público depois de mergulhos antológicos ou literalmente sobrevoando o palco em escaladas e malabarismos potencialmente mortais. Ele não estava “apenas cantando”.

 

“Jeremy” é singular. Começa com uma linha de baixo e arpejos de guitarra e violoncelo difíceis de ignorar. Ela se desenvolve trabalhando as intensidades que são a marca da banda. E temos outro final longo, mas dessa vez conduzido pela voz de Vedder, que os instrumentos acompanham de maneira catártica.

 

Essa construção é potencializada pelo vídeo, uma composição de imagens da banda com flashes que dramatizam a história real que serviu de inspiração para a letra de “Jeremy”. Ela apareceu nos jornais estadunidenses em janeiro de 1991. Ao passo que um primeiro vídeo é mais alusivo, o que a banda escolhe para representá-la, já em 1992, termina com a cena de um adolescente tirando sua vida com uma arma diante dos colegas da escola. “Jeremy spoke in class today”…

 

“Alive”, “Even Flow” e “Jeremy” estavam alocadas no mesmo lado A de Ten. A experiência de ouvir essas faixas (o álbum saiu também em 1991 no Brasil) e assistir seus vídeos (em alta rotação na MTV brasileira) proporcionava uma das mais fortes combinações de reflexão e catarse que se pode imaginar.

 

Como isso passou pelos canais do showbizz – é a questão que estará no foco do terceiro e último post que comemora os trinta anos de Ten.

 

Emerson G

Emerson G curte ler e escrever sobre música, especialmente rock. Sua formação é em antropologia embalada por “bons sons”, para citar o reverendo Fábio Massari. Outra citação que assina embaixo: “sem música, a vida seria um erro” (F. Nietzsche).

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