Três Resenhas: Foals, Pete Yorn e Rita Bastos
Foals – Life Is Yours
43′, 11 faixas
(Warner)
(4 / 5)
O sétimo disco da banda inglesa marca uma guinada em seu som. Se até aqui, Foals se caracterizou por uma sólida formação indie de guitarras – chegando a receber o interessante rótulo de adepta do “mathrock” – agora, em “Life Is Yours”, o grupo abraça um rock mais dançante e cheio de cores. Explica-se tal movimento de várias formas, a principal delas derivando da angústia sentida durante a pandemia e a vontade de espantar os maus fluidos e maus tempos na base do corre-corre. A intenção é boa, mas 2022 não se provou um ano feliz como Yannis Philippakis e sua turma imaginavam. Só para se ter uma ideia – o primeiro clipe do álbum, “2AM”, foi gravado em Kiev, pouco menos de um mês antes da invasão russa começar.
Outro motivo dessa simpática mudança em direção a um som mais suingado e leve se deve ao êxodo de dois integrantes da banda – o baixista Walter Gervers e o tecladista Edwin Congrave – sendo este o primeiro trabalho que o grupo lança como trio. O resultado é bem legal, arejado e bem feito, ainda que soe um pouco ufanista e alienado. Em termos sonoros, o Foals soa como uma espécie de INXS do início dos anos 1990 tentando ser a banda de apoio do David Bowie em “Let’s Dance”. Há vários momentos de boa música, caso da já citada “2AM” e do outro single, a grudenta e ótima “2001”. Além delas, “Wake Me Up” também tem boa pegada, ainda que soando mais para o terreno do indie dance. A boa produção e o bom nível de composições segura a onda do álbum e credencia este “Life Is Yours” para assumir o posto de “disco de verão” lá na metade norte do planeta. Sem muita exigência, sem muito compromisso, ele desce redondinho e soa melhor que o muitas vezes complicado som prévio do Foals.
Ouça primeiro: “2001”, “2AM”
Pete Yorn – Hawaii
33′, 10 faixas
(Shelly)
(4,5 / 5)
Pete Yorn é um desses cantores e compositores que são incapazes de cometer um disco ruim. Desde sua estreia praticamente perfeita em 2001, com “musicforthemorningafter” até este décimo trabalho, “Hawaii”, ficou evidente a impressionante capacidade dele de sintetizar influências que vão de Smiths, New Order e outros grupos ingleses dos anos 1980, com baluartes americanos como Tom Petty e Bruce Springsteen. E seus trabalhos são sempre muito coesos, mostrando que Yorn, além de boa relação com suas influências, tem uma mão santa para compor ótimas canções. Não bastasse isso, ele foi ficar conhecido com grande público quando colaborou com Scarlett Johansson há treze anos, emplacando a canção “Relator” nas paradinhas mais antenadas.
Mas Pete, claro, vai muito além disso. O cara tem atitude, postura e uma carreira elegantemente marcada por uma economia de discos, algo que ele rompeu a partir de 2019, quando soltou o ótimo “Caretakers”. Dali ele embarcou num ótimo álbum de covers, “Sings The Classics” e um ao vivo, “Live At The Troubador”, tudo lançado num espaço de tempo de três anos. Agora, “Hawaii” vem coroar essa fase prolífica com um feixe de dez canções simples, elegantes e muito, muito belas. As levadas de guitarras e violões se entrelaçam – no melhor estilo Johnny Marr – e sua ourivesaria pop rock flui fácil em belezuras como o single “Elizabeth Taylor” ou na adorável “Fred And Wilma”. Outras canções como “Ranson” e “Til The End” honram esta linha evolutiva a partir dos ensinamentos de Bruce Springsteen nos anos 1980, mas tudo tem uma aura própria, encantadora e muito bem feita. Já passou da hora de você conhecer a obra de Yorn, mais talentoso, menos problemático e mais interessante que Ryan Adams, por exemplo.
Ouça primeiro: “Elizabeth Taylor”, “Miss Alien”, “Fred And Wilma”
ita Bastos – Dois Tempos
31′, 8 faixas
(Atração)
(4 / 5)
Rita Bastos é uma das mais interessantes cantoras e compositoras de sua geração em atividade no país. Suas influências vão do jazz à Bossa Nova sem qualquer solavanco perceptível, sua voz oscila na medida certa entre a doçura e a força e, como se não bastasse, ela compõe, arranja e produz. Sempre cercada por um grupo interessante e competente de músicos, Rita conseguiu lançar um segundo álbum muito belo, “Dois Tempos”. Filha da cantora Vania Bastos e do músico Paçoca, Rita tem pedigree mas não torna isso uma muleta para sua carreira, pelo contrário, sua música é cheia de personalidade e força.
Em “Dois Tempos”, ela se entrega à composição e faz disso o grande charme do álbum. Faixas como “Lua de Mim” e “Bem Lento” mostram seu talento musical de forma ampla. As ideias de arranjos, os crossovers de ritmos e a ótima ambiência que perpassa pelos fones de ouvido indicam uma artista no controle total de sua arte. Mas Rita vai mais além, trazendo uma das canções mais belas deste 2022, “Meio de Junho”, composta em plena pandemia, sem eira nem beira sobre futuro e capacidade de superação do cenário de caos que se instaurou. Além dela, a lindeza de “Curió” puxa a ambiência do álbum para aquele lugar mítico entre o campo e a cidade grande, no qual existem os nossos sonhos mais bem acalentados de um cotidiano mais gentil. A versão de “Água”, de Djavan, faz jus ao som competente que sua banda oferece, com pitadas generosas de jazz, blues e várias variantes de MPB, além de reggae e até ijexá. “Dois Tempos” é um discão e você não pode deixar passar despercebido.
Ouça primeiro: “Meio de Junho”, “Curió”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.