O finlandês-boliviano do soul

 

 

 

 

Bobby Oroza – Get On The Otherside
43′, 12 faixas
(Big Crown)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Bobby Oroza nasceu em Helsinki, capital da Finlândia, mas não parece. Sua ascendência boliviana e sua predileção por soul music americana e ritmos caribenhos, o fizeram ser um dos mais interessantes artistas surgidos na área do revivalismo do soul. Ainda que isso signifique, muitas vezes, uma quase cópia de aspectos limitados do que entendemos por Soul Music, há gente que consegue se destacar, como os finados Sharon Jones e Charles Bradley, por exemplo. Além deles, Lee Fields – todos americanos, negros e já veteranos. Oroza, além de outros, como Eli “Paperboy” Reed, Durand Jones, James Hunter Six e Nick Waterhouse, integra uma jovem guarda nesta área, com alternativas interessantes e que, à medida que o tempo passa e os novos discos são lançados, cada vez mais se afasta da mera reprodução. O novo álbum de Oroza, “Get On The Otherside”, é um bom exemplo de como essa galera vem ganhando personalidade.

 

Concebido e gravado durante a pandemia, o álbum reflete a dureza que este tempo significou para Oroza que havia estreado com “This Love”, em 2019, e precisou adiar todos os planos para o novo disco. Além disso, por conta dos cancelamentos de shows e turnês, o músico finlandês se viu sem alternativas para a carreira, indo, inclusive, trabalhar na construção civil para poder manter sua família. Mesmo assim, o pouco tempo que restava para Bobby, era gasto com preparativos e composições para um novo disco, que ele não tinha a mínima ideia de quando sairia. Se o primeiro trabalho lhe rendeu um contrato de distribuição com a gravadora novaiorquina Big Crown, o sucessor foi recebido com vivas, especialmente pela qualidade do material que Oroza havia composto, bem como pela grande expectativa que surgiu pelo finlandês-boliviano e sua música. Assim como no álbum anterior, Oroza tem a presença da banda Cold Diamond & Mink, formada pelo guitarrista Seppo Salmi, pelo baixista Sami Kantelinen e pelo baterista Jukka Sarapää. Juntos eles oferecem uma palheta sonora meio surreal, meio tradicional, que emoldura muito bem os ares tristonhos das composições de Oroza.

 

O single “I Got Love” puxa o álbum, com uma belíssima levada suingada e cheio de pinceladas de guitarra como se fossem pingos d’água numa aquarela. A estrutura é de uma balada soul, mas o arranjo e a dinâmica dos músicos leva o tom para outros caminhos. A impressão de que estamos ouvindo uma sonoridade diferente dos padrões mais tradicionais do estilo norte-americano é reforçada pela belezura subsequente, a linda “Loving Body”, que evolui de uma canção mais tradicional e, graças aos efeitos de vocais e guitarras, alcança um patamar levemente psicodélico e personalíssimo. A comprovação de que estamos diante de novidades vem na ótima “The Otherside”, que, na verdade, não avança muito em termos de climas diferentes, mas corrobora este híbrido meio noir, meio crooner, meio soul que Oroza oferece por aqui. Novamente o forte aqui é o arranjo e a dinâmica entre os músicos, que acrescentam interpretações pessoais dos originais americanos e, num looping interessante, modificam as bases mais tradicionais da coisa toda. Destaque nesta canção para o ótimo baterista que é Jukka Sarapää.

 

Em “Blinding Light” há ecos até das sonoridades dos Neville Brothers em sua fase “Yellow Moon”, mostrando que a produção de Bobby Oroza tem a sonoridade fluida e paradoxalmente árida de Daniel Lanois em vista. Esta impressão também percorre a lindeza que é “My Place, My Time”, que tem uma brecha de sol e dia claro em meio aos tons de negro e cinza que o resto do álbum enverga. “Make Me Believe” também vai nesta onda de esmero com a sonoridade, marca pela busca de uma identidade sonora que congrega estas influências que já mencionamos por aqui, ao longo do texto. O fecho com a belíssima “Through These Tears” é a comprovação de que Oroza e sua turma estão bem perto de uma excelência estética dentro da seara dos revisitadores do soul.

 

“Get On The Otherside” é mais interessante que o trabalho anterior, posiciona o finlandês dentro do páreo do soul vintage atual e deixa muita curiosidade pelo desenvolvimento de sua carreira. Bobby Oroza tem charme, personalidade e vontade de arrebentar. Está quase lá.

 

Ouça primeiro: “Through These Tears”, “Blinding Light”, “The Other Side”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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